quarta-feira, abril 29, 2009

i see danger in the eyes of a stranger (só Ferreira Leite me percebe)

Estamos em tempo de indagações metafísicas. É o terrorismo, Obama, a crise, a prática de tortura, piratas, eleições, Manuela Ferreira Leite. É um estado de ansiedade permanente. Por vezes, parece que essa ansiedade perene é interrompida. Que da maior das trevas, como do mais cinzento dos céus, pode irromper um raio de luz que anima e que nos permite continuar mais um pouco. No entanto, por tantas outras vezes, esse raio mais não é que um simulacro de uma verdadeira libertação, uma ténue representação de um ânimo vindouro que não virá. A miragem do oásis no deserto. Hoje, há três horas, esse simulacro dava-se pelo nome de Anni Rossi. Encontrei essa pequena senhora de Chicago, com ar de aldeã citadina (hei-de explicar o que é isto), aqui, passei a manhã a ouvir, e por instantes senti-me livre de desânimo. Senti-me assente numa coerência metafísica. Não passou de um devaneio fundacional (herdeiro da condição moderna), constato agora. A falsidade da imagem ataca quando menos se espera (o mundo espectral é o conforto máximo) e à menor provocação. Isto porque Anni Rossi fez um cover dos Ace of Base. Desconforto total, dúvida, receio voltam a assombrar-me. Questões essenciais que se julgam esquecidas voltam com renovada premência. Qual a melhor música dos Ace of Base? The Sign? Don't Turn Around? All That She Wants? Que angústia.

terça-feira, abril 28, 2009

nem o inimigo público me faz rir tanto

"Salvador, de 20 anos, estudante de Gestão na Universidade Católica Portuguesa (UCP), admite que pouco mais sabe acerca do Condestável do que o facto de ele se ajoelhar antes de cada batalha. E de ter entregue 'tudo' para se dedicar a Deus. Lopo, de 20 anos, estuda Agronomia e aprecia que, mesmo como guerreiro, D. Nuno Álvares Pereira tenha sempre procurado 'encontrar Jesus'. E Martim, de 22, aluno de Direito na UCP, orgulha-se do novo santo português que amanhã será canonizado pelo Papa Bento XVI: 'Um exemplo de vida'."

in Público, 25 de Abril de 2009.

Faz-me lembrar a história de uma vizinha de uns amigos meus que, depois de chamar aos três filhos Bruno, Marco e Pedro, chamou ao retriever Salvador.

quinta-feira, abril 23, 2009

tortura 2

Eu, que não sou nada de obrigar as pessoas a fazer coisas, aconselho vivamente a leitura deste artigo de Gary Kamiya sobre tortura. Arriscando parecer o Ricardo Araújo Pereira a imitar Marcelo Rebelo de Sousa, o argumento certo (isto da lógica dos argumentos é uma tremenda chatice) é algo do género: A tortura resulta? Sim. Existem situações de onde podemos extraír princípios éticos que legitimem a tortura? Sim. Verificam-se na realidade? Não. Devemos torturar? Não. Excertos:

"So the easy argument against torture, that it is ineffective, is wrong. Torture can work. Nor can one simply dismiss the philosophical "ticking bomb" debate. Even ethicists bitterly opposed to torture acknowledge that if that hypothetical situation -- endlessly depicted in Fox's TV show "24" -- actually existed, there would be a compelling moral and philosophical argument for torture in that instance. But in the real world, the "ticking bomb" situation never arises."

"Torture is not morally justifiable. In addition, it has severe negative consequences. Once a nation embraces torture, it forfeits any claim to a moral high ground. It becomes no better than those it is fighting. It may win a
battle, but it will lose the war."

"The Chilean writer and human rights activist Ariel Dorfman wrote, "Torture is, of course, a crime committed against a body. It is also a crime committed against the imagination. Or rather, it presupposes, it requires, it craves the abrogation of our capacity to imagine others' suffering, dehumanizing them so much that their pain is not our pain." Torture shatters the lives of those subjected to it, Dorfman writes. It corrupts not only the torturer, but all of society. "Torture obliges us to be deaf and blind and mute." (o bold é meu
)

tortura

Obama divulgou uma série de memorandos da época Bush sobre tortura, práctica também conhecida, em newspeak, por métodos de interrogação coercivos. Quando estas coisas acontecem, surge sempre alguém que atesta a utilidade dos métodos. A discussão em torno do hipotético ticking bomb scenario (um terrorista tem informação vital que pode impedir um atentado que vai acontecer num futuro próximo) parece quase tão inconsequente quanto a utilização de estados-natureza Hobbesianos como analogia da (aparente) imutabilidade da natureza humana. Contudo, estas situações 'hipotéticas' constituem importantes veículos de legitimação de prácticas que colidem com algumas das fundações mais elementares da nossa existência comunal.

Não concordando normal
mente com as ideias políticas de Zizek, tenho a dizer que a sua reflexão sobre tortura paira pela minha cabeça sempre que o tema vem à tona. Em entrevista a António Guerreiro para o suplemento Actual, dizia Zizek que discutir a práctica de tortura era um bocadinho como a sociedade questionar se haveria algum problema em violar mulheres. Obviamente que Zizek não é ninguém para dizer o que se deve discutir ou não. No entanto, acho que aqui ele tem toda a razão.

quarta-feira, abril 22, 2009

so what

Miles Davis e John Coltrane, senhoras. Aos dois minutos e vinte e oito podemos ver Miles Davis a fumar um cigarrinho enquanto Coltrane toca. O Jazz nunca fez mal a ninguém.

terça-feira, abril 21, 2009

da funk


Pode-se comprar estas bonitas miniaturas dos Daft Punk por trezentos e vinte euros (cento e sessenta euros cada um), aqui. Adorava ser os Daft Punk. Os dois ao mesmo tempo. Sou muito a favor da pesquisa genética.

marketing 101

Acho alguma piada ao cartaz da Dra. Manuela Ferreira Leite. Não acho que gostar do cartaz seja um sinal de maturidade democrática, mas não é feio de todo. Não sei que corrente artística será aquele retrato (realismo? impressionismo? expressionismo?), mas gosto. É pouco laranja, a cor de fundo parece verde (mas ninguém sabe ao certo) e vai bem com o tom de pele de Ferreira Leite. Agora, colocar um cartaz de Ferreira Leite ao lado de um outro de Helena Coelho é capaz de não ser uma grande ideia.

domingo, abril 19, 2009

os três duques é o filme adequado para ler textos sobre a crise

"It is difficult to get a man to understand something when his job depends on not understanding it."

Upton Sinclair, não sei bem onde, citado num artigo de Nitasha Kaul, cujo apelativo título é The Economics of Turning People into Things, disponível aqui, e que começa logo de mansinho com a seguinte frase: "economics does violence when it forgets that social science must also be moral".

quinta-feira, abril 16, 2009

Being João Gonçalves

Há coisa de um mês escrevi um mini-ensaio sobre a metamorfose do Kafka. Um dia hei-de pô-lo aqui. No entanto, o que eu queria partilhar mesmo convosco tem que ver com o maravilhoso passeio que o deputado Carlos Coelho organizou. Para quem não sabe, Carlos Coelho é um deputado europeu que decidiu convidar uma série de malta que escreve em blogues para ir a Bruxelas ver o sítio onde ele trabalha. É giro isso acontecer porque eu próprio já fui ao Parlamento Europeu a convite do Dr. Carlos Coelho (a Estrasburgo, no entanto) naquela que foi provavelmente a viagem mais dolorosa da minha vida (ainda assim, bem menos violenta que a leitura de um texto do Cadilhe). Não me lembro bem em que ano foi. Há quatro anos talvez, dado que ainda estava na universidade.

A coisa processou-se mais ou menos assim. Um dia um professor disse que quatro de nós podíamos ganhar uma viagem ao Parlamento Europeu em Estrasburgo, via Paris. Fez-se um concurso na turma e eu fui um dos vencedores. O estabelecido era que a viagem custaria oitenta ou noventa euros, preço que incluía voos de ida e volta Lisboa-Paris-Estrasburgo, duas noites de hostel em Paris e uma em Estrasburgo. Parecia um negócio difícil de recusar.

Na altura, este pobre ingénuo que vos escreve, ainda tinha uma réstia de esperança na competência dos políticos que nos servem, nem que fosse para contratar uma agência de viagens. Eu gosto muito de biografias. Nas biografias há sempre aquele momento definidor sem o qual não se percebe toda a cosmovisão do biografado. Se alguém alguma vez escrever a minha biografia, e houver um capítulo sobre política, tenho-vos a dizer que esse evento foi aquele que marcou o fim do meu idealismo púbere.

Lá chegou então o dia de embarcar. Encontrámo-nos no aeroporto, apanhámos o avião e seguimos para Paris. Chegados a Paris, ninguém sabia onde era o hotel e não estava ninguém à nossa espera. Não havia um líder estabelecido, não se percebia quem mandava, a maior parte (eu incluído) não sabia onde terminava o ‘grupo’. Por sorte, como ia ter com uns primos, acabei por apanhar o RER e safei-me daquele problema. Cheguei a Paris pela tarde e ainda dei umas voltas simpáticas pela cidade.

No dia seguinte, contudo, tínhamos que ir para Estrasburgo. Lá fomos nós de novo até ao Charles de Gaulle. Chegámos a Estrasburgo à noite e, surpresa, ninguém fazia qualquer ideia de onde ficava o hostel. Lá foi outra vez aquela amálgama de pessoas à procura do local onde deveríamos pernoitar. Lembro-me de andar uns quilómetros até chegar ao local, depois de um autocarro nos ter abandonado numa rotunda, nos arredores da cidade (Estrasburgo não é assim tão grande, não foi dramático).

No dia seguinte, acordámos e fomos para o Parlamento. Chegámos, demos lá uma volta, pouca gente no hemiciclo como seria de esperar, tivemos uma conversa com João de Deus Pinheiro e já era tempo de almoçar (avisaram-nos logo que não havia muito tempo porque ainda voltávamos para Paris nesse dia e à tarde ainda tínhamos de ver algo).

Lá tivemos todos que ir apanhar um autocarro público. Por sorte, descobrimos uns seres humanos que lá andavam que também iam almoçar. Metemo-nos no autocarro deles. Depois de dois dedos de conversa percebemos que eram a ‘constituency’ de Carlos Coelho (há aqui algo que não bate certo porque, nas eleições europeias, Portugal não tem círculos eleitorais, mas como Carlos Coelho foi por duas vezes eleito para o Parlamento Português pelo Círculo eleitoral e Santarém e como me lembro que uma pessoa me disse que era de Mação, que faz parte do distrito de Santarém, eram capazes de lá estar por isso, não sei). Tinham ido para Estrasburgo de autocarro, desde Portugal. Simpático.

No curto caminho que distava entre o Parlamento Europeu e o restaurante (que era bom) aprendi uma das maiores lições de teoria das alianças eleitorais que aprenderei em toda a minha vida. Um simpático senhor, presidente de qualquer coisa numa terra qualquer, teve a gentileza de nos explicar (a mim e mais dois), abrindo-nos em simultâneo o apetite, como é que se garantia uma reeleição a troco de um vitelo (à direita) e de enchidos e lacto-derivados (à esquerda).

Antes do apressado almoço, houve tempo para um pequeno discurso de Carlos Coelho. Estava feliz por nos ter ali e tinha cumprido a promessa (cá está, eu lembro-me claramente disto, até porque um velho que estava na minha mesa fez questão de se rir alto quando ele disse aquilo) de levar aquelas gentes a ver ‘como a Europa funciona’, de autocarro.

O repasto foi bom. Voltámos para o Parlamento, andámos às voltas (recebi um passaporte da União com a minha fotografia – quando for ao Egipto vendo-o) e estava na altura de ir para o aeroporto. Infelizmente, para adocicar mais a coisa, o avião atrasou-se três horas por causa de nevoeiro.

Chegámos a Paris passava da meia-noite. Não havia RER, nem shuttle da Air France. Como estávamos cansados e não havia autocarros directos para onde íamos, fomos de táxi. Eu dividi o táxi com mais três pessoas e paguei vinte e cinco euros. Cheguei a casa dos meus primos às duas da manhã. No dia seguinte acordei, fui ao Trocadero (que era perto de casa), dei mais dois passos, entrei numa FNAC para comprar um disco do Curtis Mayfield para a minha prima (sou um primo impecável; ela tinha acabado de ter um desgosto amoroso) e apanhei o shuttle da Air France para o aeroporto (mais vinte e cinco euros).

Como podem ver, foi gira a viagem. Foi organizada exactamente pelas mesmas duas pessoas que organizaram esta. À chegada a Lisboa, o ‘solícito’ Duarte Marques ficou ofendido porque eu (e outros, mas eu sou bastante irascível) lhe disse que ele era um tremendo incompetente. Naturalmente, disse logo que não pagava nada daquilo (o preço tinha entretanto aumentado mais trinta ou quarenta euros), mas os meus pais chamaram-me à razão (‘afasta-te dessa gente, paga e desaparece que isso é tipo máfia de leste mas pior’). Dias depois, o supracitado ‘solícito’ apareceu na minha universidade para pedir desculpa pela viagem. Cruzámo-nos à saída da sala de aula, estendi-lhe a mão e ele não me cumprimentou. Entrei de novo dentro da sala, paguei o que devia e fui-me embora.

Só voltei a ver o ‘dinâmico’ Duarte Marques por duas ocasiões. Uma vez num bar, outra numa edição da revista Visão sobre ‘o Futuro da Política’. Com a competência demonstrada, de certeza que ainda o hei-de encontrar num cartaz qualquer ali para os lados do Marquês.

terça-feira, abril 14, 2009

Badiou



O Alain Badiou foi ao Hardtalk e ninguém me dizia nada? Ingratos. O Hardtalk é um programa absolutamente essencial e vai ser soberbo ver Badiou falar do 'evento' da crise como novo 'point de capiton' e da 'jouissance' dos movimentos socialistas que renascem um pouco por toda a parte. Vai ser ainda mais maravilhoso ver o Stephen Sackur a fazer perguntas lixadas e a mandar vir com o gajo. Eu fui a uma entrevista àquele novo jornal que se chama i (reduzir a uma letra o nome de um jornal não me inspira confiança; eu gosto de International Herald Tribune, New York Times, Le Figaro e do Jornal de Comércio da Associação de Feirantes de Vila do Conde. O i é um jornal que qualquer analfabeto vai conseguir comprar) e disse que, se tinha um modelo de jornalista, esse modelo era o Sackur. Eles riram-se.

segunda-feira, abril 13, 2009

isto é maravilhoso


"German synchronized swimmer Niklas Stoepel has won major national competitions, but he has still been banned from competiting at the international level. Officials in the sychronized swimming world, it seems, still aren't ready for men to participate in the sport."

Por favor vejam o resto da sessão fotográfica, é hilariante. O pacato mundo da natação sincronizada nunca mais será o mesmo.

...



Eu até nem me importava de dedicar uma quantidade séria de linhas para vos explicar porque é que a mais recente edição do World Affairs Journal (o Adam Kirsch, o Alex De Waal e o Nicholas Eberstatd escrevem lá) deve ser lida por qualquer ser humano que se preze. Contudo, de momento, estou ocupadíssimo a tentar perceber qual a melhor forma de colocar uma foto do Viggo Mortensen como pano de fundo. As capacidades de colocação de fotos como pano de fundo do windows deixam-me deprimido. Voltando ao WAJ, devo dizer que recomendo com mixed feelings. O Kirsch escreveu uma peça pedante sobre o Zizek há uns tempos e, que eu saiba, não se deu ao trabalho de responder a um comentário, escrito por um ser soberbo, que refutava e colocava no devido contexto todas as citações de Zizek que Kirsch usou. Por outro lado, o mesmo gajo escreveu um artigo muito interessante sobre Hannah Arendt, que está dobradinho dentro do meu exemplar de Eichmann em Jerusalém. Sobre o Alex de Waal não tenho nada a dizer que seja excitante. Sobre o Eberstadt, acho que devo dizer-vos que foi ele quem me alertou para o facto de os norte-coreanos serem, em média, vinte centímetros mais pequenos que os sul-coreanos (é capaz de não ser vinte). Este artigo mete, de novo, demografia. Mais precisamente, demografia e vodka (a importância do álcool nas ciências sociais tem sido subestimada). Mas, como ninguém é perfeito, o Eberstadt faz parte do American Enterprise Institute, onde milita o ex-embaixador dos EUA nas Nações Unidas durante a administração Bush, John Bolton (que é igualzinho ao Yosemite Sam). De resto, e entrando num registo mais autobiográfico, confesso que a minha vida continua limitada pelo facto de uma marca qualquer de roupa barata não ter apostado ainda numa colecção que imite as roupas dos Beatles nesse clip aí em cima.

quarta-feira, abril 08, 2009

Mocky 2

Que maravilha. O gajo toca bateria e canta ao mesmo tempo. E a voz não é nada do outro mundo, mas fica tão bem.

Mocky

O novo disco do Mocky está quase a chegar. Diz-se por aí que é maravilhoso.

espancamento em curso

"A review cannot convey how deeply unpleasant the experience of reading The Kindly Ones is. This is one of the most repugnant books I have ever read. Some may put aside its philosophical and aesthetic confusions, and take its utterly persuasive evocation of depravity as a sign of achievement. But if getting under the skin of a murderer were sufficient to produce a masterpiece, then Thomas Harris would be Tolstoy."

Ruth Franklin, na The New Republic sobre As Benevolentes de Jonathan Littell. Ainda não li uma única recensão boa sobre o livro escrita do outro lado do Atlântico. Desde o LA Times, à New Republic, passando pelo NY Times, ainda nenhum crítico disse bem do livro que foi um estrondoso sucesso na Europa. A de Franklin é a que usa as palavras mais fortes. Pôr as coisas nestes termos só me aguça o apetite.

quinta-feira, abril 02, 2009

Arendt


A associação do caso Fritzl com o de Adolf Eichmann tem sido repetida um pouco por toda a parte. A esse respeito, leia-se o que escreveu António Guerreiro no Actual desta semana:

"Ao utilizar essa noção, a filósofa alemã estava a deslocar o conceito Kantiano de 'mal radical'. Tendo assistido ao julgamento de um funcionário nazi, Arendt chegara à conclusão de que os actos eram monstruosos mas o responsável por eles era completamente vulgar, igual a toda a gente, sem nada de demoníaco, mais caracterizado pela falta de pensamento do que pela estupidez. Utilizando o qualificativo 'banal' onde todos esperavam ver 'radical' (e desse modo originando uma enorme polémica), H. Arendt entendeu que 'radical' é o que tem a ver com a profundidade das raízes, da vontade perversa e da maldade essencial das paixões. O que não era o caso daquele medíocre chamado Eichmann. E quanto a Joseph Fritzl?"

O texto acaba com uma pergunta que ninguém poderá responder com grande certeza. Não sei o que AG dirá das comparações entre Eichmann e Fritzl, mas, pela leitura que faço do seu texto, duvido que as aprove. No entanto, a comparação entre os dois homens tem sido recorrente. No escrita casual, para dar um exemplo (na caixa de comentários a este texto do Bruno Vieira Amaral está outro), o Gustavo Sampaio escreve:

"apelidar josef fritzl de "o monstro de amstetten" é como que um mecanismo psicológico de defesa contra o choque da banalidade do mal, que hannah arendt descobrira, em adolf eichmann, carrasco nazi que se declarava como um mero "funcionário que cumpria ordens superiores", no âmbito do julgamento de nuremberga. ou seja, o que é realmente chocante em fritzl é a sua banalidade, e mediocridade, patentes na maneira como se apresentou em tribunal, aceitando o veredicto com uma normalidade tranquila, passiva..."

Embora partilhe o incómodo do Gustavo Sampaio (quem não partilhará?) em relação à impassividade de Fritzl durante todo o julgamento, parece-me que AG toca no ponto pertinente com a questão que nos deixa. Existem, na minha opinião, diferenças substanciais entre Eichmann e Fritzl, e não imagino Arendt a escrever sobre a banalidade do mal em Fritzl, por diversas razões. Atrevo-me até a dizer que a comparação serve, em parte, para obscurecer alguns dos pontos principais do livro de Arendt. O que está ali em causa, como a autora faz questão de sublinhar por diversas vezes, é mais que Adolf Eichmann: é Eichmann enquanto indivíduo representativo de uma realidade maior e mais assustadora. Eichmann é a personagem-tipo de um estudo sociológico mais profundo. Mas já lá iremos.

Comecemos pela diferença mais básica. Existe, desde logo, uma clara dissemelhança entre Eichmann e Fritzl. Enquanto que o segundo aprisionou durante duas décadas a sua filha numa cave e a violou repetidamente, Eichmann nunca fez mal a ninguém com as suas próprias mãos. Arendt até duvida se ele seria capaz de o fazer. Um aspecto da 'banalidade do mal' é esse. Citando Arendt:

"The question was whether Eichmann had lied when he said: 'I never killed a Jew or, for thar matter, I never killed a non-Jew...I never gave an order to kill a Jew nor an order to kill a non-Jew'. The prosecution, unable to understand a mass murderer who had never killed (and who in this particular instance probably did not even had the guts to kill), was constantly trying to prove individual murder" (p. 215) (meu bold)

Outro aspecto da 'banalidade do mal' manifesta-se também a nível individual. Embora não tenha grande informação sobre Fritzl, não me recordo de ler em parte alguma que ele fosse pouco articulado ou intelectualmente incapaz de responder às mais simples questões. A esse respeito, leia-se, de novo, o que Arendt escreveu sobre Eichmann:

"To be sure, the judges were right when they finally told the accused that all he said was 'empty talk' - except that they thought the emptiness was feigned, and that the accused wished to cover up other thoughts which, though hideous, were not empty. This supposition seems refuted by the striking consistency with which Eichmann, despite his rather bad memory, repeated word for word the same stock phrases and self-invented clichés (when he did succeed in constructing a sentence of his own, he repeated it until it became a cliché) each time he referred to an incident or event of importance to him. Whether writing his memoirs in Argentina or in Jerusalem, whether speaking to the police examiner or to the court, what he said was always the same, expressed in the same words. The longer one listened to him, the more obvious it became that his inability to speak was closely connected with an inability to think, namely, to think from the standpoint of somebody else. No communication was possible with him..." (p. 49).

Repito o que disse no início: reduzir o conceito Arendtiano de 'banalidade do mal' a defeitos de personalidade individual (por muito monstruosos que sejam) é retirar uma lição incompleta do livro de Arendt. Embora o livro se intitule Eichmann em Jerusalém, Arendt fala de muito mais criminosos. Ao longo de vários capítulos, Arendt descreve os cruéis colaboracionistas que os alemães foram encontrando em diversos países – alguns mais monstruosos que os próprios Nazis.

A perspectiva sociológica do estudo de Arendt é a mais fascinante e incompreensível - tendo Eichmann como personagem-tipo, como já afirmei. A própria filósofa acaba com mais perguntas que respostas, como é inevitável sempre que o tema é o Holocausto. A conclusão sociológica mais simples e apetecível será aquela que, parcimoniosamente, procurará razões para o sucedido na natureza cruel do ser humano. Curiosamente, Arendt, uma judia alemã, forçada a emigrar, não retira essa conclusão (o Gustavo Sampaio caminha nesta direcção mais à frente no seu texto). Mesmo depois de tudo o que se passou, Arendt recusa admitir a existência de uma maldade inerente ao ser humano:

"...it was of great political interest to know how long it takes an average person to overcome his innate repugnance toward crime, and what exactly happens to him once he has reached that point". (p. 93)

As arrepiantes conclusões que Arendt retira da análise que faz ao Holocausto e a Eichmann, fornecem uma base empírica inigualável para validar a tese de Max Weber sobre o potencial das estruturas burocráticas. Eichmann era um burocrata que se limitava a cumprir ordens. Existe nos sistemas complexos uma diluição de responsabilidade moral que, em casos extremos, pode levar à total amoralidade. Eichmann, como repetiu mais que uma vez, limitava-se a cumprir ordens (O Leitor trata deste ponto) e nem percebia como podia ser acusado de cumprir aquilo que, à altura, estava correcto.

A 'banalidade do mal' que Arendt viu foi um mal comum a uma série de pessoas, pertecentes a diversos povos. Mais banal que Eichmann é a forma como o mal se torna uma coisa aceite pela generalidade de uma comunidade. Banal, é a forma como a 'repgunância inata' de que Arendt fala, desaparece. É a forma como os códigos do que é moralmente aceitável mudam com o tempo e sempre nas mais variadas direcções (o Holocausto foi o último prego no caixão na concepção liberal da História). Termino com mais uma citação, que isto já vai longo:

"Reck-Malleczewen, whom I mentioned before, tells of a female 'leader' who came to Bavaria to give the peasants a pep talk in the summer of 1944. She seems not to have wasted much time on 'miracle weapons' and victory, she faced frankly the prospect of defeat, about which no good German needed to worry because the Führer 'in his great goodness had prepared for the whole German people a mild death through gassing in case the war should have an unhappy end'. And the writer adds: 'Oh, no, I'm not imagining things , this lovely lady is not a mirage, I saw her with my own eyes: a yellow-skinned female pushing forty, with insane eyes...And what happened? Did these Bavarian peasants at least put her into the local lake to cool off her enthusiastic readiness for death? They did nothing of the sort. They went home, shaking their heads". (p. 110).

playboy

"Pronto, de facto, vêem-se maminhas na Playboy. Mas maminhas em abstracto não significam nada. É muito importante o contexto das maminhas, a envolvência das maminhas, a história das maminhas. Maminhas também se vêem nas reportagens de rastreios do cancro da mama, espalmadas naqueles vidros. E isso não é especialmente sexy. Para revistas de sexualidade duvidosa já temos a FHM, a GQ ou a Maxmen, revistas que consideram que uma sessão de fotos de modelos em fato de banho entre duas reportagens sobre a importância de hidratar a pele masculina e o segredo da sedução de George Clooney são coisas hetero."

Isto é muito acertad
o. Ide ler. Lourenço Bray n'O Nascer do Sol. Eu dou quarenta euros pela Guta Moura Guedes. Cem, vá.

quarta-feira, abril 01, 2009

boa nova

"The Geneva-based Human Rights Council was established in March 2006 to replace the 60-year-old Human Rights Commission, which lost international credibility after countries with abysmal rights records, such as Sudan and Zimbabwe, were allowed to join and thwart criticism of their actions.

The Bush administration refused to join the new rights body, saying it was not convinced that it represented much of an improvement over its predecessor. John R. Bolton, U.S. ambassador to the United Nations when the council was created, said at the time that the United States would have more 'leverage in terms of the performance of the new council" by not participating in it and thus signaling a rejection of "business as usual'."

A Administração Obama decidiu que os EUA se devem candidatar a um lugar no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas. O Conselho substituiu a antiga Comissão dos Direitos Humanos que, como podem depreender pela citação, tinha graves problemas. Países como o Sudão e o Zimbabwe não podem fazer parte de nenhum organismo que defenda os Direitos Humanos. A decisão é bem-vinda. A miopia do ex-embaixador americano nas Nações Unidas durante a Administração Bush, John Bolton, é um belo exemplo do pensamento político da era W. Claro que os abusos não vão acabar, mas sem o empenho dos EUA ainda seriam mais complicados de resolver. A afirmação do multilateralismo na visão do interesse nacional americano é de saudar. Infelizmente, na política internacional, as coisas demoram tempo a mudar. Contudo, é bom ver que Obama e Hillary Clinton entendem que o interesse nacional dos EUA fica melhor servido através da participação em instituições internacionais. Lentamente, as coisas vão mudando.