quinta-feira, abril 23, 2009

tortura 2

Eu, que não sou nada de obrigar as pessoas a fazer coisas, aconselho vivamente a leitura deste artigo de Gary Kamiya sobre tortura. Arriscando parecer o Ricardo Araújo Pereira a imitar Marcelo Rebelo de Sousa, o argumento certo (isto da lógica dos argumentos é uma tremenda chatice) é algo do género: A tortura resulta? Sim. Existem situações de onde podemos extraír princípios éticos que legitimem a tortura? Sim. Verificam-se na realidade? Não. Devemos torturar? Não. Excertos:

"So the easy argument against torture, that it is ineffective, is wrong. Torture can work. Nor can one simply dismiss the philosophical "ticking bomb" debate. Even ethicists bitterly opposed to torture acknowledge that if that hypothetical situation -- endlessly depicted in Fox's TV show "24" -- actually existed, there would be a compelling moral and philosophical argument for torture in that instance. But in the real world, the "ticking bomb" situation never arises."

"Torture is not morally justifiable. In addition, it has severe negative consequences. Once a nation embraces torture, it forfeits any claim to a moral high ground. It becomes no better than those it is fighting. It may win a
battle, but it will lose the war."

"The Chilean writer and human rights activist Ariel Dorfman wrote, "Torture is, of course, a crime committed against a body. It is also a crime committed against the imagination. Or rather, it presupposes, it requires, it craves the abrogation of our capacity to imagine others' suffering, dehumanizing them so much that their pain is not our pain." Torture shatters the lives of those subjected to it, Dorfman writes. It corrupts not only the torturer, but all of society. "Torture obliges us to be deaf and blind and mute." (o bold é meu
)

8 comentários:

El-Gee disse...

bom texto, mas o autor escapa a uma pergunta que eu considero essencial - a pergunta filosofica que ele expoe no inicio do texto.

É que esse debate filosofico é, ao contrario do que o autor diz, o debate a ter em conta, porque é aquele que nos coloca a questao: estamos dispostos a torturar um crápula para salvar vidas - sim ou nao?

Torturar ao desbarato, nao.

Torturar, como utimo recurso ex-terroristas altamente conectados no meio terrorista e cuja informacao, segundo uma fortissima e justificada suspeita provavelmente vai evitar um ataque futuro?

Isto é, o tal caso "24" - sim ou nao?

Sim ou nao?

O autor diz que o caso "24" nao existe. Mas e se, num dado caso, o potencial torturador sabe de certeza que aquele gajo sabe onde vai ser o proximo atentado.

O torturador SABE que ele SABE.

Sim ou nao?

Eu digo sim. Mas apenas no tal caso "24" e sim, creio que, por vezes, o caso "24" existe.

filipe canas disse...

EL,

Olha, eu por mim acho que o caso 24não existe. Porque se existisse já tinha visto alguém a mencionar um caso e ele provavelmente tinha o nome desse caso (to terrorista, do local, da escola evacuada) e não de uma série de televisão da fox.

Quanto ao debate filosófico eu concordo plenamente com o Kamyia. É giro, mas fica bem na sala de aula (como disse no post anterior é uma maneira util de legitimar parvoíces).

Depois, há sempre a questão de quanto tempo está a bomba em ticking. Um gajo que tenha planeado um atentado para daí a 3 meses, é um ticking bomb? Ou o Ticking bom é um dia? Ou uma semana?

São 'ses' a mais e ajudam a tirar uma conclusão que na realidade eu acho que não se põe.

El-Gee disse...

estas a fazer o mesmo que o Kamiya: voces estao a excluir a priori um dos cenarios, que é totalmente realista, mesmo que nao tenha acontecido ate agora.

eu acho que a conclusao se poe

filipe canas disse...

Como é que o cenário é totalmente realista?

E mais, como é que defines esse cenário?

Eu só vejo perguntas que no cenário hipotético não se colocam mas que na realidade sim. Entre outras:

1 - Mesmo que saibas que ele sabe, como sabes que ele sabe o suficiente para impedir o acto?

2 - O que é o futuro? 24 horas ou 3 meses? um ano? É que isso assim é extensível a imensas coisas.

3 - Onde é que colocas o risco? Quantas pessoas é que se tem que salvar para justificar a tortura?

Vejo imensos problemas em legalizar uma prática horrível com base numa hipótese que é muito complicada.

El-Gee disse...

Nem sempre sabes se ele sabe suficiente para impedir o acto, obviamente. Mas eu estou a falar de alturas em que ele sabe o suficiente. E ha alturas em que se sabe que ele sabe - se apanhares um tipo no topo do comando de qualquer organizacao que seja, sabes que ele tem informacao.

Em relacao ao horizonte temporal, acho irrevelante. quanto mais tempo em antecedencia se tiver informacao, melhor.

Penso que uma vida humana inocente em risco poderia ser justificacao suficiente. deixar um inocente ser assassinado e prender o culpado vs. torturar e prender o culpado e salvar o inocente? Nao acho que haja uma resposta tao obvia para isto, especialmente se considerarmos a tortura um acto de recolha de informacao e, nunca, de castigo.

Porque repara, para mim a grande critica a tortura nao é o acto da tortura em si, é, isso sim, o torturar inocentes.

se torturares um culpado (ie, um gajo com informacao), ser torturado ou nao ser está nas maos dele, porque se ele falar, nao é torturado.

assumindo que todos os culpados tem uma obrigacao para com a sociedade de confessar um crime cometido ou planeado, a tortura, no caso de um culpado, é um recurso apenas utilizado quando esse culpado nao cumpre com a sua obrigacao de confessar um crime.

isto nao é um manifesto pro-tortura (obviamente) mas sim um focar de pontos que eu considero importantes e dos quais nao se fala muito.

Na verdade, estou a pensar neles enquanto escrevo.

filipe canas disse...

Preocupa-me um bocado que o acto da Tortura não tenha um enorme valor negativo intrínseco.

A tortura é uma práctica horrenda, mesmo se practicada contra um culpado. Mais a mais, como sabes, um culpado apenas o é depois de devidamente julgado. A presunção de inocência aplica-se.

Independentemente da forma como a concebes (castigo ou meio de informação), não deixa de ser uma prática moralmente repugnante.

É repugnante claro que existam criminosos, terroristas, etc. Mas acho bem mais repugnante quando o Estado, supostamente de direito, consagra a possibilidade de uma práctica como a tortura.

El-Gee disse...

Devo dizer que aí discordamos.

Nao acho repugnante que um tipo que cometeu um crime e nao o quer confessar seja torturado, precisamente porque ser torturado é uma escolha sua, apenas. Ao criminoso é dada a escolha - como tal, a responsabilidade é dele: pelo crime que cometeu, pelo silencio e, como tal, pela tortura.

Mas claro, claro, do ponto de vista institucional isto nao justifica a tortura porque, como dizes, ninguem é "culpado" ate o ser.

filipe canas disse...

Portanto, tu não entendes que a tortura seja uma coisa repugnante, apenas se for feita contra inocentes.

Contudo, concordas que a única maneira legítima de averiguar a culpa de alguém é através de tribunais.

Vais torturar o gajo, depois de apurares a culpa? É que antes de a culpa ser apurada, ele é inocente.

Quanto ao acto, fora de qualque contexto, acho que é repugnante. É um atentado básico à dignidade humana e essa é transversal a todos os seres.

Mais a mais, apenas a hipótese de um tipo (inocente ou que nada sabe, ou que tenha informação que não sirva para impedir o que quer que seja) ser torturado de forma injusta acho que retira qualquer legitimidade à práctica e, consequentemente, a esse cenário hipotético.