sábado, dezembro 27, 2008

natal


O ponto alto do Natal é este belo Andric, editado pela Cavalo de Ferro (já tentei escrever tanta coisa sobre o A Ponte sobre o Drina, é um livro maravilhoso). Não de somenos importância são os dois primeiros volumes dos contos de Tchékhov, editados pela Relógio de Água, o maravilhoso Cultural Amnesia de Clive James, pela Picador, e Mason & Dixon de Thomas Pynchon, também da Picador. Tudo somado, tenho pela frente duas mil oitocentas e vinte e seis páginas, o que diz quase tudo sobre o apreço que as pessoas têm pela minha companhia. Gostam de mim versão bibelot, sentadinho a ler, sem fazer muito barulho. Contudo, o pináculo da quadra foi o disco dos Linkin Park que me oblataram. Ideal para acompanhar a leitura de Os Passos em Volta de Herberto Helder, editado pela Assírio e Alvim.

obrar

O discurso em relação à presidência da câmara municipal de Lisboa acaba sempre por redundar em discussões espúrias sobre quem deixou mais obra. Vai-se de Abecassis a Costa, numa tentativa de avaliar quem deixou mais obra feita. Conclui-se, com preocupante naturalidade, que ninguém deixou obra. A excepção é, dizem, Santana Lopes e o túnel. O caso é paradigmático, dado que ainda está por concluir quem fez o quê: se foi Santana quem fez o túnel ou se foi o túnel que fez Santana. Ambas as opções estão na mesa. É interessante a preocupação por obra feita. Se há coisa que se vê na capital é obra feita. Um desastre. Atrevo-me a dizer que melhor obra dos últimos anos é a remoção da passadeira pedonal de Alcântara, que desapareceu na primeira semana de Outubro deste ano. Numa cidade onde planeamento e urbanismo são palavrões, a melhor obra é a não obra. Infelizmente, não me parece que isso venha a acontecer. Venha quem vier, o mais provável é que continue a obrar em cima de Lisboa.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

diplomatic shagfest

"Women were central to the Congress of Vienna. Zamoyski almost loses count of the number Metternich slept with. Talleyrand did an Alan Clark by sleeping with a mother and her daughter. Tsar Alexander took his revenge on Metternich (who opposed the Russian desire to incorporate Poland as a Russian province) by sleeping with his mistress. And of course Britain joined this diplomatic shagfest by sending the handsome young Frederick Lamb to sleep with Metternich's mistress. Pillow talk provided the principals with information on what their rivals were up to".

Parágrafo da recensão de Denis MacShane ao, segundo me dizem, excelente Rites of Peace: The Fall of Napoleon and the Congress of Vienna, de Adam Zamoyski (Londres: Harper Press).

ps. O Congresso de Viena (1815) é considerado o apogeu da diplomacia europeia.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

o ingénuo

Acompanha todos os anos os campeonatos do mundo de patinagem no gelo mas achava que não ia gostar de ballet.

sexta-feira, dezembro 19, 2008

BPP

O Público noticia hoje que alguns dos clientes do Banco Privado Português solicitaram os serviços de escritórios de advogados para tentar reaver a parte possível do dinheiro que investiram. Segundo o mesmo jornal, não se trata apenas dos pequenos clientes, ou até alguns depositantes, mas sim dos grandes clientes. É perfeitamente normal que isso aconteça. O que é vergonhoso é o argumento que está a ser usado: os principais clientes do BPP contrataram escritórios de advogados para que estes desenhem argumentos jurídicos que sustentem que que os investimentos de alto risco que fizeram, possam ser considerados depósitos. Esta manobra permitir-lhes-á reaver as verbas que aplicaram no banco. A questão levanta-se porque muitos contratos têm uma "legalidade duvidosa", ou sejam, "ficam a meio caminho entre aquilo que é um depósito e o que é considerado um investimento de risco". O resto do artigo explica os meandros destes acordos, que são difíceis de perceber (mas metem sociedades off-shore, o que é meio caminho andado para cheirar a estrume).

É tremenda a falta de integridade, no sentido mais estrito da palavra. Algumas filosofias liberais da cultura promoveram, entre críticas mais ou menos acesas, uma visão da acção humana regida por regras diferentes em esferas separadas - províncias de cultura. O que comportamentos como este mostram é que o homem investidor, enquanto ser preocupado com reaver o seu dinheiro e lucrar, parece estar a vencer o homem enquanto ser social, na sua dimensão ética e moral, o que é grave. Para não falar sequer da falta nítida de hombridade. A questão que se põe é uma entre o poder e o dever. O homem investidor pode explorar a lei a seu bel-prazer. O homem, na sua dimensão ético-moral, não o deve fazer. E este segundo não deve ficar surpreendido que arcar com as consequências do primeiro. O pior é que talvez nenhum deles se preocupe, caso isso aconteça.

quarta-feira, dezembro 17, 2008


Um ano em Itália. Dois anos a viver com italianos, um dos quais uma mãe adoptiva. Mil quilos de massa ingeridos para lá do canal da mancha. Mais mil quilos, desta feita comidos em solo português. Tomates em rama, tomates das Canárias (nunca), tomates cherry, tomates cherry de rama, tomates cocktail. Basílico e Oregãos. Cebola em rodelas, cebola picada, cebola laminada. Pimenta da Jamaica, pimenta preta, pimenta branca. Sal, sal marinho, flor de sal. Azeite italiano, azeite espanhol, azeite grego e azeite português. Pepperoncino verdadeiro. Todas as combinações possíveis de todos estes ingredientes, tentadas três vezes em panelas diferentes, e depois deparo-me com esta merda de molho de tomate (o Cherry Tomato & Parmesan Cheese) e o cabrão é mais saboroso que qualquer tentativa minha. Está-me a custar tanto (se calhar não nasci para isto, pronto. É tempo de admiti-lo. A melhor pasta que comi foi feita pela minha mãe adoptiva, enquanto passava a ferro, bêbeda).

Yet


We're told that one of these hotels is an icon of the city of Mumbai. That's absolutely true. It's an icon of the easy, obscene injustice that ordinary Indians endure every day. On a day when the newspapers were full of moving obituaries by beautiful people about the hotel rooms they had stayed in, the gourmet restaurants they loved (ironically one was called Kandahar), and the staff who served them, a small box on the top left-hand corner in the inner pages of a national newspaper (sponsored by a pizza company, I think) said, "Hungry, kya?" ("Hungry eh?"). It, then, with the best of intentions I'm sure, informed its readers that, on the international hunger index, India ranked below Sudan and Somalia.

But of course this isn't that war. That one's still being fought in the Dalit bastis (settlements) of our villages; on the banks of the Narmada and the Koel Karo rivers; in the rubber estate in Chengara; in the villages of Nandigram, Singur, Chattisgarh, Jharkhand, Orissa, Lalgarh in West Bengal; and the slums and shantytowns of our gigantic cities.

That war isn't on TV. Yet.

So maybe, like everyone else, we should deal with the one that is.


Um excelente artigo de Arundhati Roy, publicado no Asia Times, sobre os atentados terroristas de Mumbai, o terrorismo em geral e sobre a importância que tem pôr as situações em contexto - sim, mesmo o terrorismo. Desde que conheci Roy ao ano passado, quando li sobre o combate de tribos indianas aos projectos de barragens megalómanas, que a tenho como referência intelectual. Poucas pessoas escrevem tão bem sobre o mundo como ela. Sobre a Índia, que eu conheça, mais nenhuma - mas ainda não li os retratos devastadores do Naipul.

A fotografia é dedicada ao meu excelso amigo Luís Pedro. Podes pô-la ao lado da da Zadie Smith no teu panteão.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Benito Cereno

Depois de elaborada ponderação, que durou mais de dois anos e um excessivo esforço mental, chego à conclusão que o melhor blogue que conheço é este: http://caferepublica.blog.com/. Um espaço com bons textos, melhores imagens, e um motivo absolutamente soberbo, que é os prazeres de frequentar um café. O momento desta declaração é oportuno para a minha genealogia existencial, no sentido que vaticino que os cafés se tornarão, durante o próximo ano de crise, o local onde a malta desempregada passará grande parte do tempo. Posto isto, informo que já reservei uma mesa no Kaffeehaus no Chiado - mesa dupla, quem entra à esquerda - onde passarei grande parte dos meus dias e alguma parte das minhas noites. Comerei pratos de queijos, beberei cafés e cerveja, e aproveitarei para repreender o animal que escreveu erdapfelsalat em vez de kartoffelnsalat no menu. Existem ainda planos para começar a produzir um podcast onde eu e outros seres igualmente incompetentes, dissertaremos sobre o estado do mundo, das artes, da música, da filosofia e da política. São todos bem-vindos. As primeiras datas serão aqui anunciadas. Preferência será dada a perfeitos anormais (para não destoar).

quarta-feira, dezembro 10, 2008

simply havin'

Claro que apenas um Beatle poderia colocar todo o psicadelismo inerente à época, numa canção de natal. A melhor canção de natal. Reza a lenda que, em 1979, a peúga de natal de McCartney estava cheia de LSD.

terça-feira, dezembro 09, 2008

sensibilidade conservadora

"Quero eu dizer - continou, - que há pessoas, indiferentes a tudo, desprovidas de qualquer sentimento de piedade, mas que não desdenham as desgraças alheias desde que nelas intervenham e porque, acima de tudo, temem que as coisas se possam remediar sem a sua intervenção. Nada é sagrado para a sua enorme presunção".

Anton Tchekov, A minha mulher, versão Luiz Pacheco, Quasi.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

isto é capaz de ser um pouco demais para mim


Artigos sobre a existência de OVNIs que fundamentam e constituem o conceito moderno de soberania, confesso que não me chateiam particularmente. Acho curioso, tenho algum interesse, até já pedi que me facultassem o dito artigo (sublinhe-se a palavra artigo, algo que não tem mais de que uma trintena de páginas). Agora essa merda aí em cima já me custa a engolir. Harry Potter and International Relations, que nome horrível. Que raio de gajo é que pensou em escrever um livro sobre o Harry Potter e as relações internacionais? Pior, que gajos é que pensaram editar um livro com contribuições de gajos que escrevem sobre o feiticeiro púbere e as relações internacionais? 224 páginas disto, ajudem-me por favor. Vá, até pode ser que tenha algum interesse tocar ao de leve no tema (é efectivamente o que as criancinhas do mundo todo lêem). Admito que até possa justificar um artigo ou até um capítulo num livro qualquer. Agora um livro apenas e só sobre o Harry Potter e as Relações Internacionais? Passaram-se.

Esperem aí (que estou a ter uma quebra de tensão e preciso de beber um pouco de néctar de papaia) que há pior. Acabo de perceber que existem mais livros sobre o Harry Potter e as ciências. Estava a pensar dar este a um puto qualquer da minha família: Harry Potter and Philosophy: If Aristotle Ran Hogwarts. Chamo a vossa atenção para este trecho da sinopse que o Amazon oferece:

"Individual chapters look at such topics as life revealed in the Mirror of Erised; the ethics of magic; Moaning Myrtle, Nearly Headless Nick, and the relation of the mind to the brain; and the character of Hermione as a case of "sublimated feminism."

A minha prima de onze anos falou-me uma vez do caso da Hermione enquanto uma 'feminista sublimada', presa numa estrututa semiótica falocêntrica, mas eu disse-lhe que era demasiado cedo para avançar com tais conlusões, até porque ela ainda nem tinha lido Saussure (agora já leu). Ao que parece ela tinha razão. Mas há mais. Para ficarem com um quadro completo - a comensurabilidade de uma abordagem crítica holística ao Harry Potter ainda está em debate - é indispensável que tenham à mão os dois volumes que completam a tetralogia. Falo-vos claro de Critical Perspectives on Harry Potter por Elizabe Heilman e do não menos importante The Psychology of Harry Potter: An Unauthorized Examination of the Boy Who Lived, editado por Neil Mulholland.

Já agora, na esperança de algum editor frequentar esta espelunca que eu alimento, aproveito para informar que estou desempregado e por isso disponível para avançar com a coordenação do importantíssimo e inadiável From Pessoa to Gonçalo M. Tavares: Towards a Potterian Reading of Portuguese Modernist Literature, na condição de a minha prima Maria (a dos onze anos, agora doze) poder contribuir. Preferência será dada às edições Piaget.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

proliferar

Todos já abandonámos bombas nucleares algures. E depois assinamos, comprometidos tratados de não proliferação. E proliferamos, e continuaremos a proliferar, sempre com a esperança que a radioactividade se dissolva. Na água.