segunda-feira, março 30, 2009

isto é extraordinário

"His speeches are oral presentations and lend themselves to dramatic reading, as do large parts of his narrative, including the Melian Dialogue. Thucydides can be appreciated in a public reading, but it would be difficult to grasp deeper layers of meaning*."

*I use this term because reading in the ancient world was done aloud, even that done privately. In the late fourth century, Augustine of Hippo was stunned to see Ambrose reading silently to himself.

Richard Ned Lebow, The Tragic Vision of Politics: Ethics, Interests and Order (Cambridge University Press: 2003), p. 129.

sexta-feira, março 27, 2009

é capaz de não ter mais de 140 caracteres

"All truth passes through three stages. First, it is ridiculed. Second, it is violently opposed. Third, it is accepted as being self-evident."

Schopenhauer, não sei bem onde.

terça-feira, março 24, 2009

dazzling

"Valéry’s circle of contacts remains dazzling. He was intimate with leading poets and writers (Mallarmé, Gide, Rilke); he worked alongside Hugo von Hofmannsthal, Thomas Mann, Gabriele d’Annunzio, John Galsworthy and Stefan Zweig; he exchanged ideas with André Malraux, Jean Giraudoux, Colette and Paul Claudel (but also with George Meredith, Arnold Bennett, H. G. Wells and Aldous Huxley); his lectures at the Collège de France were an influence on Jacques Lacan, Roland Barthes, Michel Tournier, Yves Bonnefoy and Paul de Man. Who else with such a profile could also have had Einstein as trusted interlocutor and colleague, discussed atoms with Niels Bohr, or the crisis of representation in sciences with the likes of Paul Langevin and Émile Borel; compared notes with Ravel and Stravinsky, Degas and Picasso; collaborated with Bergson and Sir James Frazer; interacted with both Pétain and de Gaulle; interviewed Mussolini and crossed paths with an entire gallery of Europe’s interwar power-brokers? To say nothing of the cast list of princesses, duchesses, countesses and other denizens of the cosmopolitan, high-society Paris salons who provided the writer with dinners, contacts, funding, entertainment, country-seat vacationing, confidantes and lovers."

Recensão de Paul Gifford no Times Literary Supplement, sobre a nova biografia de Paul Valéry da autoria de Michel Jarrety.

segunda-feira, março 23, 2009

Honoris Causa

O repórter da Sic afirma que a Faculdade de Motricidade Humana parou para que Mourinho receba o prémio Honoris Causa, o mais importante daquela faculdade (e Mourinho ainda nem recebeu o prémio). É na FMH que Gonçalo M. Tavares dá aulas de Epistemologia da Motricidade Humana. Epistemologia será, por certo, um dos assuntos centrais do discurso de agradecimento de Mourinho. Ali a Epistemologia terá um papel central, ao invés do que acontece no balneário, onde a Ontologia e a Metodologia post positiva dominam as metanarrativas. Segundo as más línguas, a saída de Mourinho do Chelsea deveu-se mais a um desentendimento com Abramovitch sobre o real papel de Kojéve na questão da necessidade de Síntese no Hegelinismo não-dogmático do que propriamente com desacordos sobre a política de contratações. Moratti, como todos sabemos um Habermasiano compulsivo, não olhou a meios e contratou o técnico português. Segundo o Corriere della Sera, Mourinho tem cumprido bem aquilo a que se propôs: temperar o Delleuzianismo de Ibrahimovic, que resultados tão desastrosos tinha trazido ao internacional sueco (durante anos, Ibrahimovic pensou ser necessário desterritorializar a sua produção futebolística de um lado para o outro para quebrar as tendências reprodutivas do capitalismo post Fordista). O ex-internacional português Luís Figo tem também desempenhado um papel importante. Figo, conhecido pelas suas leituras Straussianas dos grandes clássicos da filosofia grega, tem sido, com o seu domínio da Maiêutica, central para o controlo intelectual do astro sueco.

ps. Podem encontrar aqui o currículo da muito interessante disciplina que Gonçalo M. Tavares lecciona. Um dia destes ainda me inscrevo.

sexta-feira, março 20, 2009

libritalia

Não podia deixar de dizer que a livraria italiana, libritalia, tem um dos melhores sistemas de encomenda de livros que eu conheço. Liguei para lá a perguntar pelo livro que queria. Só tinham a edição de capa dura que custa dezanove euros, se não estou em erro. Perguntei quanto custaria o de capa mole e disseram-me custava treze euros, mais um euro e cinquenta cêntimos por causa da encomenda. Um euro e cinquenta! La Casta custou-me quatorze euros e cinquenta cêntimos. Chegou uma semana depois de o ter encomendado. Da última vez que tentei encomendar um livro na FNAC disseram que demorava dois meses a chegar. No El Corte Inglés, quis comprar o 2666 do Bolaño para oferecer, disseram que tinha que esperar também um mês e tal. A libritalia tem também uma boa oferta de livros italianos a preços reduzidos. A qualidade da edição de livros em itália é algo que eu subvalorizei quando lá estive (sobrevalorizei o álcool), e de que me arrependo imensamente. Os livros editados são bonitos, cuidados, têm bons prefácios e introduções, e são vendidos a preços muito acessíveis (Itália tem uma história de excelentes editores e de excelentes casas de livros como a Feltrinelli e a Einaudi). Na libritalia encontramos livros de Pavese, de Bassani e de Buzzati a menos de dez euros. Para além de livros há também ciclos, cursos e tertúlias. Hoje mesmo, às seis e meia da tarde, o escritor Valerio Evangelisti vai tentar responder à questão "para onde caminha a literatura italiana?", naquilo que será mais uma troca de impressões do que uma conferência propriamente dita.

A Casta

Da contracapa:

"Che futuro ha un Paese dove un consigliere regionale abruzzese guadagna più del governatore della California? Dove il Quirinale costa il quadruplo di Buckingham Palace ma taglia il 3 per mille? Dove le spese dei Palazzi del potere continuano a crescere, il presidente della Camera fa il sub in acque proibite e il premier raggiunge la beauty farm preferita con un elicottero della Protezione civile? Dove tutto cambia perché niente cambi? No ci avevano promesso una politica più sobria?"

Fui ontem buscar à livraria italiana (um espaço muito simpático na rua do Salitre) um exemplar desse interessante livro escrito por dois conceituados jornalistas italianos. É um livro sobre a classe política italiana. Ou melhor, é um livro sobre o estado vergonhoso a que chegou a classe política italiana. O livro teve um tremendo êxito em itália. Começou por ter uma tiragem de trinta e cinco mil exemplares e acabou por vender, entre Maio de 2007 e Outubro de 2008, um milhão e duzentos e cinquenta mil exemplares. Foi reimpresso trinta e uma vezes. Como não podia deixar de ser, a classe nojentinha que o livro criticava optou por o usar para os seus fins. Berlusconi, na altura na oposição, disse que tinha La Casta na mesa de cabeceira (debaixo da obra completa de Mário Puzo presume-se). Mas mesmo essas manhas, tão comuns, foram insuficientes. O livro tornou-se um tremendo sucesso e mostrou aos italianos como uma classe inteira usa o bem público para proveito próprio.

Tomei conhecimento deste livro através deste excelente artigo de Perry Anderson na London Review of Books. Gostava imenso de ver alguém do calibre intelectual do Perry Anderson a escrever um texto sobre Portugal e acho que não se perdia nada se este livro fosse traduzido para português.

quinta-feira, março 19, 2009

terça-feira, março 17, 2009

pop up

Continuo a não perceber bem porque é que em cada programa em que se debate o casamento entre pessoas do mesmo sexo está sempre presente um membro da igreja (que eu saiba, sempre católica). Toda a gente sabe que o que está em discussão é o acesso ao casamento civil e não o acesso ao matrimónio religioso, e que sobre o primeiro a opinião da igreja é irrelevante (além de conhecida e inalterável). Faz-me lembrar uma coisa que havia no VH1, e que eu via em casa da minha avó, que eram os pop-up videos. Os pop-up videos eram clips nos quais apareciam umas bolhinhas que davam informação sobre a canção. Com a diferença que a informação tinha a ver com a canção e ali não tem.

domingo, março 15, 2009

epitáfio

Era uma vez um cavalo que vivia num lindo carrossel.

sábado, março 14, 2009

Blue Train


Uma pessoa chega a certos momentos na sua vida em que a vida parece que não significa absolutamente mais nada do que aquilo que significou nos momentos anteriores. Ainda assim, gostava de partilhar convosco que, se tivesse que escolher, hoje, uma só canção para ouvir até ao fim da vida, essa seria o Blue Train do John Coltrane. Está lá tudo. De momento é esta a minha verdade. O álbum acaba de ser reeditado em Portugal se não me engano.

sexta-feira, março 13, 2009

muito gira esta canção gentis senhores

o Saadiq tem uma pele óptima



Acabei de ver uma criancinha de treze anos a discursar durante dois minutos na reunião de um qualquer movimento Conservador americano. Podem ver a aberração aqui. Eu, um teutão desdentado que ainda não aderiu à pasteurização dos produtos lácteos, sou sem dúvida muito estúpido, mas digam-me: serei só eu que acho paradoxal uma criança de treze anos ir falar de Principled Conservatism a uma reunião de um movimento Conservador? Um dos princípios do Conservadorismo não devia ser que a crianças de treze anos deviam estar a fazer o que quer que as crianças de treze anos fazem?

quinta-feira, março 12, 2009

teoria

"We need to examine our own background assumptions to reveal and explain our selections, priorities and prejudices because 'all forms of social analysis...raise important questions about the moral and the cultural constitution of the observer'. In the theory of international relations we are as concerned with how we approach the study of world politics as we are with the events, issues and actors in the global system. We need to understand how individuals think about their world by promoting a wider self-awareness of our own belief systems. As Linklater argues, 'all social analysts (should) reflect upon the cognitive interests and normative assumptions which underpin their research'. It should be remembered that the 'international' is refracted through the mind of the observer. Constitutive international theory is directly concerned with the importance of human reflection on the nature and character of world politics".

Scott Burchill et. al., Theories of International Relations, 2nd Edition (Palgrave MacMillan, 2001), p. 15.

Agora adapta-se o parágrafo à teoria económica e ler-se-ia:

"We need to examine our own background assumptions to reveal and explain our selections, priorities and prejudices because 'all forms of social analysis...raise important questions about the moral and the cultural constitution of the observer'. In economics we are as concerned with how we approach the study of the economy as we are with the events, issues and actors in the economic system. We need to understand how individuals think about their world by promoting a wider self-awareness of our own belief systems. As Linklater argues, 'all social analysts (should) reflect upon the cognitive interests and normative assumptions which underpin their research'. It should be remembered that the 'economic' is refracted through the mind of the observer. Constitutive economic theory is directly concerned with the importance of human reflection on the nature and character of the economy".

quarta-feira, março 11, 2009

isto tem muita piada

Saiu agora um livro escrito pelo neto de Evelyn Waugh sobre os Wittgensteins. Nada melhor que um gajo de uma familia problemática e genial a escrever sobre outra família problemática e genial. Excertos da recensão de Jim Holt no New York Times sobre o livro The House of Wittgenstein:

“A tense and peculiar family, the Oedipuses,” a wag once observed. Well, when it comes to dysfunction, the Wittgensteins of Vienna could give the Oedipuses a run for their money. The tyrannical family patriarch was Karl Wittgenstein (1847-1913), a steel, banking and arms magnate. He and his timorous wife, Leopoldine, brought nine children into the world. Of the five boys, three certainly or probably committed suicide and two were plagued by suicidal impulses throughout their lives. Of the three daughters who survived into adulthood, two got married; both husbands ended up insane and one died by his own hand. Even by the morbid standards of late Hapsburg Vienna these are impressive numbers."

"Yet the Wittgensteins, for all their Sturm und Drang, can be as funny as the Waughs. We are told, for example, that the first spoken word of one of the Wittgenstein boys was “Oedipus.”

"Ludwig’s subsequent career, familiar from numerous biographies and memoirs, is briskly told here. Renouncing his share of the family fortune (among the largest of war-ruined Europe, thanks to the Wittgensteins’ shrewd American investments), he pursued self-mortification as a schoolteacher in an impoverished Alpine village. But his pedagogical methods included slapping the children rather violently, and he got run out of town."

"Backed by the Wittgenstein family fortune, Paul set about commissioning piano concertos for the left hand from the leading composers of the day. His dealings with them proved comically tempestuous. He rejected Hindemith’s composition as unplayable and wrote to Prokofiev, “Thank you for your concerto, but I do not understand a single note and I shall not play it.”

"For all their quarreling, madness and self-destruction, the Wittgensteins were at least spared one sort of dysfunction: there is no trace of incestuous impulses among them. The same, alas, cannot be said of the author’s own family. Evelyn Waugh freely avowed feelings of more than paternal tenderness for his daughter Meg. When she announced her intention to wed a young man, her father sadly wrote to a friend, “She wants children, and that is a thing I can’t decently provide for her.” Even Oedipus would blush."

terça-feira, março 10, 2009

a minha praia são filetes de cavala

Em contra corrente ao que aí é dito (não é conta corrente suas cavalgaduras), Portugal é um país absolutamente magnânime no panorama mundial, não fosse este país um dos únicos a ter, nomeadamente (é um truque que eu aprendi com o Rogério Casanova este de escrever um advérbio de modo no fim de uma frase para a qual não temos solução). Não obstante, trata-se de um país repleto de falhas estruturais. Olhe-se, por exemplo, para as discussões sobre o estado do ensino em Portugal que, de há uns tempos a esta parte, redundam em análises profundas sobre o analfabetismo (preocupante) da directora da DREN, Margarida Moreira, ou sobre o impacte do Magalhães. É um país com piada: indigna-se na luta contra o espúrio de tal forma que esquece o essencial.

E o que é o essencial? Não sei. Não faço ideia. Sei, contudo, que o essencial tem de passar por o país estar equipado com uma rede de bibliotecas decentes e, quando digo país, não ligo a posse. Isto é, tanto se me dá se é público ou privado. Um dos grandes mistérios da minha existência é a dificuldade que um ser humano tem em frequentar uma biblioteca para o que quer que seja. Há frequentadores nobres de uma biblioteca. É o meu caso. Um frequentador nobre é aquele que tem tanto respeito ao local que acaba por passar o tempo todo entre estantes à procura nem sabe bem do quê. Começa em Adorno e acaba em Voegelin, passando por tudo, desde A.J.P. Taylor a Santo Agostinho, desde Hamsun a Tchékhov. É obviamente um rato de biblioteca falhado, mas feliz o pobre. Existe depois o frequentador burguês. Como todos sabemos, o frequentador burguês está refém do seu ímpeto utilitário: está numa biblioteca para maximizar o seu conhecimento. É um frequentador metódico que não corre prateleiras. Escolhe os livros que quer, leva-os para a sua mesa e consulta-os, recorrendo muitas vezes ao índice para encontrar os termos que lhe interessam (chamam método a isto em alguns lugares, mas é ideologia). Existe, por fim, o não utilizador que frequenta. Em Portugal, em virtude do atraso, o não utilizador vai à biblioteca na esperança de poder aceder à internet, o que, vezes a mais, é impossível porque é reservada para frequentadores nobres e burgueses que pagam alguma coisa. Esse é um dos problemas: ter que se pagar para aceder a uma biblioteca não é digno de nenhum país desenvolvido. Não falo em requisitar, falo em aceder.

Nos últimos dois meses, refém desta condição, fui obrigado a pagar cinquenta euros para ter acesso à biblioteca da Universidade Católica Portuguesa. Pode-se entrar gratuitamente na biblioteca da UCP, mas apenas cinco vezes. Na biblioteca da Gulbenkian a situação ainda é mais ridícula. A entrada é livre para quem vai consultar. E quem não vai consultar? Não pode, lamenta o Securitas que está à porta (um Securitas à porta de uma biblioteca, por amor de Deus).

Mais, as bibliotecas desta merda de país (já é uma merda, atentem, bastam três parágrafos para deixar de ser magnânime) não estão ligadas umas às outras. Em Inglaterra, caso não houvesse um livro na minha biblioteca, esta fazia um empréstimo inter-bibliotecário. Isto é, pedia a uma biblioteca que o tivesse. Se ninguém tivesse e se não fosse caro de mais, comprava-se. Não é este o procedimento normal? Como é que um país pode andar para a frente sem uma rede de bibliotecas decentes? E não venham dizer que é um assunto de política educativa, quando nem as Instituições privadas de ensino têm boas bibliotecas.

A biblioteca da UCP é bastante limitada. Arranjam-se coisas interessantes, mas falta imensa coisa. Aliás, falta tanta coisa que eu nem percebo como é que eles mantêm aberto um curso de Relações Internacionais. O principal textbook de Relações Internacionais chama-se Politics Among Nations. Vai na oitava edição se não estou em erro. A biblioteca da UCP tem um exemplar. O segundo livro mais importante é o Theory of International Relations do Kenneth Waltz. A biblioteca da UCP tem um exemplar, traduzido em Português (a tradução não é grande coisa). Wendt escreveu, em 1999, o livro mais importante dos últimos anos na disciplina. De novo, apenas um exemplar. E isto é o mais mainstream que existe. Não sei quantos alunos tem um ano de Relações Internacionais, mas mesmo para dez isto é insuficiente.

Só para clarificar as coisas e para verem a profundidade do problema: de The General Theory of Employment, Interest and Money de John Maynard Keynes (esse de quem tanto se fala agora) existe um exemplar em Inglês (língua original), três em Francês e um em Espanhol . Quantos alunos existem em Economia e Gestão na UCP de Lisboa? No meu ano de ingresso eram cem no mínimo. Keynes serve-nos agora dizem. E lê-lo, quem leu?

ps. Na biblioteca da Universidade de Exeter, quem nem é das melhores, existem quarenta e nove entradas para Keynes. De The General Theory of Employment, Interest and Money existem sete exemplares, sem contar com o que deve estar na obra completa.

sexta-feira, março 06, 2009

O Leitor

O Leitor é um livro interessante, não mais que isso. Lê-se bem e a bom ritmo. É um livro com uma prosa agradável e cuja história nos agarra. Não fica na minha bibliografia essencial mas pelo menos já posso ir ver o filme sabendo ao certo o que é que vai ser destruído ou construído. O Leitor tem, contudo, uma série de passagens interessantes. Uma delas é a seguinte:

"Não sei porque o fiz. Mas hoje reconheço, naquilo que então aconteceu, o esquema por meio do qual o pensamento e a acção se conjugaram ou divergiram durante toda a minha vida. Penso, chego a um resultado, fixo-o numa conclusão e apercebo-me de que a acção é algo independente, algo que pode seguir a conclusão, mas não necessariamente. Durante a minha vida, fiz muitas vezes coisas que não tinha decidido fazer, e não fiz outras que tinha firmemente decidido fazer. Algo que existe em mim, seja lá o que for, age; algo que me faz ir ter com uma mulher que já não quero voltar a ver, que faz ao superior um reparo que me pode custar o emprego, que continua a fumar embora eu tenha decidido deixar de fumar, e que deixa de fumar quando me resignei a ser um fumador para o resto dos meus dias. Não quero dizer que o pensamento e a decisão não tenham alguma influência na acção. Mas a acção não decorre só do que foi pensado e decidido antes. Surge de uma fonte própria, e é tão independente como o meu pensamento e as minhas decisões".

Esta passagem fez-me lembrar uma reportagem que saiu no P2 a semana passada sobre o português que misteriosamente desapareceu em Berlim. O que me marcou nessa reportagem, feita quando já passavam 40 dias do desaparecimento, foi a constatação da possibilidade de desconhecimento de alguém que, até há pouco tempo, os amigos tinham a certeza de conhecer. É que, quando confrontados com a hipótese de desaparecimento por iniciativa própria, se quase todos diziam que nada fazia esperar tal coisa porque X não era 'assim e assado', ao mesmo tempo deixavam no ar a hipótese de que, talvez, ele fosse mesmo assim e assado, precisamente porque, e isto é a minha conclusão, ninguém conhece verdadeiramente ninguém.

Ninguém nos conhece melhor que nós próprios e, ainda assim, mesmo nós próprios, muitas vezes, como Schlink condensa nesse parágrafo, não fazemos a mínima ideia do porque é que fazemos o que fazemos. Isto é uma reflexão que já tenho há algum tempo e vem daí a minha crescente irritação com 'porquês'. Irrito-me porque eu próprio, por vezes, não sei as razões de muita coisa do que faço ou sinto (e mesmo que saiba, como pôr isso em palavras?). E porque é que as deveria saber? Quem é que mo exige? Uma concepção datada, mas ainda vigente no senso comum, da continuidade entre pensamento e acção?

Foi por isso em parte que gostei tanto do verso (a poesia é provavelmente a essência na qual o nexo pensamento/acto está menos presente) "amar é um elo entre o azul e o amarelo". Podem-se perguntar o porquê ou o sentido de tal verso. Eu não sei qual é, mas, para mim, faz todo o sentido.

ps. Esta maneira de pensar tem consequências para uma ética de responsabilidade - como responsabilizar aquele que se diz irresponsável? Onde acaba o impulso e começa o acto? - mas eu ainda não dediquei muito tempo a pensar nisso. Aliás, nem a isso nem a tudo o resto.

adenda: O corpo de Afonso Tiago, o jovem português desaparecido em Berlim que refiro acima, foi encontrado hoje pela polícia alemã.

quinta-feira, março 05, 2009

B.

Ide gentis senhores, ide ao maravilhoso espaço de Ana Cristina Leonardo na internet. Leiam especialmente este texto de Laurinda Alves, candidata do Movimento Esperança Portugal (MEP) ao Parlamento Europeu. O pensamento político de Laurinda Alves não pára de me surpreender. Eu sei que sou um bocadinho radical e tenho uma grave tendência para esgotar as boas ideias pelo exagero da sua aplicação, no entanto, assim de cabeça, arranjava um bom milhão de pessoas para serem alvo de uma petição que as enviasse directamente para Bruxelas. Ou para o Burundi. Burkina-Faso. Bahamas. Buraco.

quarta-feira, março 04, 2009

as aventuras de Uli "o Salomão" Sequeira


É bonito ver que o contributo da família Aronofsky em The Wrestler passa pela participação de dois gajos que fazem de chatos. Ainda não vi o The Reader, mas tendo eu uma costela salomónica bastante forte (sou um dos tipos mais justos que andam por aí), e estando nós a entrar numa época post sexual (entrámos na post racial com o Obama), proponho que acabemos com a distinção entre actores e actrizes. Assim, e reparem neste salto lógico brutalmente falacioso com o qual vocês vão concordar, eu proponho que dêem o óscar de melhor actor ao Mickey Rourke e o de melhor actriz ao Sean Penn. Ou vice-versa. A Judith Butler deve estar tão orgulhosa de mim.

terça-feira, março 03, 2009

lady d'arbanville

O mundo é um lugar complicado, de difícil descrição, como repetia o ensimesmado Euclides enquanto sorvia o seu batido de Cookies N'Cream com Cherry Garcia na abertura de uma qualquer loja de gelados no Chiado. Recupero essa bonita memória ao encontrar no site do Busy P uma fotografia do José Castelo Branco com a sua esposa. O Busy P, como decerto saberão, é o manager dos Daft Punk e fundador da Ed Banger, a mais cool editora do momento. O mundo é um lugarejo engraçado. Ainda bem que o frequento cada vez menos.

a minha profissão devia ser tomar cocktails em NY


segunda-feira, março 02, 2009

Gonçalo M. Tavares

"A nova geração de romancistas portugueses, refiro-me aos que estão agora entre os 30 e os 40 anos de idade, tem em Gonçalo M. Tavares um dos seus expoentes mais qualificados e originais. Autor de uma obra surpreendentemente extensa, fruto, em grande parte, de um longo e minucioso trabalho fora das vistas do mundo, o autor de O Sr. Valéry, um pequeno livro que esteve durante muitos meses na minha mesa de cabeceira, irrompeu na cena literária portuguesa armado de uma imaginação totalmente incomum e rompendo todos os laços com os dados do imaginário corrente, além de ser dono de uma linguagem muito própria, em que a ousadia vai de braço dado com a vernaculidade, de tal maneira que não será exagero dizer, sem qualquer desprimor para os excelentes romancistas jovens de cujo talento disfrutamos actualmente, que na produção novelesca nacional há um antes e um depois de Gonçalo M. Tavares. Creio que é o melhor elogio que posso fazer-lhe. Vaticinei-lhe o prémio Nobel para daqui a trinta anos, ou mesmo antes, e penso que vou acertar. Só lamento não poder dar-lhe um abraço de felicitações quando isso suceder".

José Saramago
no seu Caderno.

domingo, março 01, 2009