sexta-feira, junho 29, 2007

Émile Zola, 1900.

"Os senhores perderam agora um grande romancista, o vosso Eça de Queiroz. Tenho todas as suas obras. E considero-o superior a Flaubert que, no entanto, foi o meu mestre."

"Os Portugueses têm um grande escritor como a França conta poucos: é o vosso Eça de Queiroz".

quinta-feira, junho 28, 2007

Memórias

As memórias são o mais complicado.

São o mais duro de um fim, de uma ausência. São o que nos torna incompletos. São tão duras e difíceis que mesmo aquilo que foi mau pode parecer bom. Como cores mais escuras num quadro lindo.

São duras porque se manifestam muitas vezes quando menos queremos e especialmente quando menos as esperamos.

Basta um barulho, um gesto, uma língua, uma pronúncia, uma música, aquela música, aquela música no carro, no miradouro, no jardim, no parque, um sabor, um quadro, um pintor, um livro, um perfume, o perfume.

Custam tanto as memórias. É como se apanhassemos um choque do nosso subconsciente. Uma descarga eléctrica que nos lembra que ainda não esquecemos. Que ainda lá está, a pairar, às voltas, de um lóbulo para o outro como uma bola de pingue-pongue.

São tão fortes por vezes. Batem com tanta força quando estamos sozinhos. Quando estamos tristes, soturnos, melancólicos.

São duras mesmo acompanhados, quando nos sentimos subitamente deslocados e vazios, de um momento para o outro. O riso farto torna-se débil. Achamos piada, até podemos rir, mas sempre arrepiados, como se tivessemos uma sombra interior que traz o frio, que nos rouba o sol.

São tão inesperadas.

Até parecia que estava tudo bem.

quarta-feira, junho 20, 2007

Destruí algo lindo que tinha. Que tínhamos.

Destruí. É a verdade. Fui eu. Não foi mais ninguém. Não foste tu.

Fui eu quem disse que não dava, que não queria, que queria estar a sós. Fui eu que, com o orgulho digno de um parvo, de um triste, de um acéfalo, disse que era um ser egoísta. Assumi o meu egoísmo. Acolhi-o de braços abertos, com uma tristeza exterior e um sorriso interior.

Não foste tu, como o disseste. Como me quiseste fazer acreditar. Não foste tu, mesmo quando admitiste, do fundo do teu coração, com a tua voz triste, entre inspirações soluçantes, que tinhas que mudar, que querias mudar, que querias fazer tudo para mudar. Que estava disposta a tudo. Que ias até ao fim para tentar. Até Exeter. Até Londres. Para Lisboa.

Não foste tu.

Fui eu, angustiado com a minha vida, com a sina de uma relação à distância, com o peso das circunstância - que eram puramente conjunturais, vejo hoje (meu deus, como me faz triste) - com a solidão momentânea. Com as separações mensais. Com a forma como as semanas que passávamos juntos passavam a correr. Com a forma como acabavam, por culpa minha, sem quaisquer garantias de um reencontro.

Com a minha intransigência. O meu pessimismo. O meu egoísmo. O meu querer abdicar de tudo para viajar no nada.

Não sei se consigo viajar no nada. Não sei se consigo voltar ao tudo. Não por mim, mas por ti. Deves ter seguido.

Tenho a secreta esperança que não, mas conheço-te. Sei como és. Sei que és forte. Muito mais forte do que eu alguma vez serei.

E mesmo que aceites, não sei se te quero fazer passar por isso. Não sei se te mereço. Não sei se mereces que eu volte para a tua vida.

Não sei porque deixei de acreditar. Porque é que certos momentos abalam as nossas crenças mais profundas. Porque é que metemos o despertador para acordar de sonhos que estamos a viver. Não sei porque o fiz, mas fui eu.

Quero voltar ao sonho. Quero abraçar o vazio. Quero ser como fui. Feliz, sonhador, com um caminho para percorrer, pronto para os solavancos da caminhada. Quero amar. Amo.

Quero enfrentar o medo. Quero saber o que seria. Mas não te quero fazer sofrer. Não quero despejar o meu egoísmo novamente em cima de ti. Não te quero abalar.

Adorava saber se és feliz. Adorava saber se partilhas do que escrevo. Adorava que me abrisses a porta à tua vida.

Porém não to consigo pedir.

Mas não sei se resisto.

Desculpa.

segunda-feira, junho 18, 2007

sexta-feira, junho 15, 2007

Hora de Almoço

21

O senhor da repartição olha para a esbelta jovem emigrante de leste. Em surdina pergunta-lhe: "qual é o seu número?".

Ela, com um silencioso movimento de lábios, diz-lhe que é o 23.

22

Um segundo depois ele carrega no botão.

23

- Bem, então quer abrir actividade não é?
- É sim - responde ela com um sotaque ainda bastante forte.
- Hum, então o que é que quer fazer aqui em Portugal?
- Não sei ainda. Quero trabalhar para ganhar algum dinheiro. Para me sustentar.
- Você devia ser modelo - diz ele, fitando-a nos olhos.

Ela fica corada e sorri envergonhadamente.

- A sério. Olhe bem para si. É linda.
- Ah, mas a ser modelo só de cara.

Ele levanta-se um bocadinho da cadeira, num equilíbrio instável. Mais perto dela continua:

- Ah, só de cara? Porquê?

Ela fica ainda mais vermelha.

- Como modelo pode ganhar bastante mais que dez mil euros num ano. Aí já teria que pagar IVA. Mas não se preocupe, não a quero confundir. Vá tirar o caderno de recibos e volte aqui que eu explico-lhe como é. Passe à frente quando voltar.

Há funcionários públicos que trabalham mesmo bem.

quarta-feira, junho 06, 2007

em diferido

Os telemóveis, e os meios de comunicação mais recentes, têm efeitos inacreditáveis nas nossas vidas.

Basta lembrar como era quando não tínhamos todos telemóvel. Quando ninguém tinha aliás. Era às 8 era às 8.

Lá se ficava sentado à espera que chegassem os nossos convivas. Podiam ser 8 e 40 que o máximo que havia a fazer era ligar para casa das pessoas.

Não tenho dados estatísticos para vos provar que as pessoas eram mais pontuais quando não tinham telemóveis do que o são hoje em dia. Suspeito no entanto que deveriam ser. Pelo menos o atraso era mais penalizado.

Bem, mas sendo português (e romeno por vezes), estar a imputar aos telemóveis o atraso característico do nosso povo parece-me injusto.

Há, no entanto, algo que os telemóveis mudaram e muito e isso foi as relações pessoais.

Hoje em dia, tanto os telemóveis como os programas de conversa pela internet (os messengers e os skypes, etc.) servem como eficazes escudos aos nossos maiores medos: o medo do ridículo, o medo da rejeição, o medo da reacção alheia.
Vejo, tanto por mim como pelos meus amigos, que a maior parte das relações que mantemos, que tentamos iniciar, que pretendemos manter, que queremos modificar, funcionam por intermédio destes meios de comunicação modernos.

Podia fazer-vos aqui um interlúdio sobre o meu saudosismo neo-românticizado das cartas escritas à mão borrifadas com perfume, mas não o farei.

Noto sim, todavia, que hoje a maior parte das pessoas se escuda nesses meios para dizer o que sente. Cada vez mais acontece que o importante para ser dito é passado para aquela mensagem posterior. Quando já estamos no conforto da solidão. Quando já não temos que olhar nos olhos. Quando já não trememos.

Depois de carregarmos no enviar, somos livres. Sentimos como que se um peso nos tivesse saído das costas. Continuamos com a angústia de receber uma resposta, mas essa angústia é mitigada pela ausência de contacto, pelo relaxar da imediatez do contacto pessoal.

É, de certa forma, paradoxal porque não nos tornamos mais cobardes sempre. É verdade que não enfrentamos os nossos medos, mas é também verdade que muitas vezes dizemos aquilo que não diríamos naquela altura talvez por não ser a altura certa. O que não é de todo satisfatório de qualquer forma.

As relações pessoais perdem-se no meio das facilidades destes meios de comunicação. Já não se declara, não diz que gosta, não se diz o que vai na alma naquele momento.

Espera-se pelo escudo. Acautelam-se os riscos. Escreve-se a caminho de casa. Escreve-se quando se chega a casa. Escrevem-se e-mails, sob o perigoso mix de álcool e distância, onde se diz tudo, sentados no conforto da nossa casa. Na nossa solidão. Onde não corremos o risco de ser rejeitados de imediato. Onde as nossas desilusões podem ficar para amanhã. Onde os medos ficam à porta.

Vivemos a nossa vida emocional em diferido.

Estamos demasiado viciados no conforto.