quinta-feira, abril 16, 2009

Being João Gonçalves

Há coisa de um mês escrevi um mini-ensaio sobre a metamorfose do Kafka. Um dia hei-de pô-lo aqui. No entanto, o que eu queria partilhar mesmo convosco tem que ver com o maravilhoso passeio que o deputado Carlos Coelho organizou. Para quem não sabe, Carlos Coelho é um deputado europeu que decidiu convidar uma série de malta que escreve em blogues para ir a Bruxelas ver o sítio onde ele trabalha. É giro isso acontecer porque eu próprio já fui ao Parlamento Europeu a convite do Dr. Carlos Coelho (a Estrasburgo, no entanto) naquela que foi provavelmente a viagem mais dolorosa da minha vida (ainda assim, bem menos violenta que a leitura de um texto do Cadilhe). Não me lembro bem em que ano foi. Há quatro anos talvez, dado que ainda estava na universidade.

A coisa processou-se mais ou menos assim. Um dia um professor disse que quatro de nós podíamos ganhar uma viagem ao Parlamento Europeu em Estrasburgo, via Paris. Fez-se um concurso na turma e eu fui um dos vencedores. O estabelecido era que a viagem custaria oitenta ou noventa euros, preço que incluía voos de ida e volta Lisboa-Paris-Estrasburgo, duas noites de hostel em Paris e uma em Estrasburgo. Parecia um negócio difícil de recusar.

Na altura, este pobre ingénuo que vos escreve, ainda tinha uma réstia de esperança na competência dos políticos que nos servem, nem que fosse para contratar uma agência de viagens. Eu gosto muito de biografias. Nas biografias há sempre aquele momento definidor sem o qual não se percebe toda a cosmovisão do biografado. Se alguém alguma vez escrever a minha biografia, e houver um capítulo sobre política, tenho-vos a dizer que esse evento foi aquele que marcou o fim do meu idealismo púbere.

Lá chegou então o dia de embarcar. Encontrámo-nos no aeroporto, apanhámos o avião e seguimos para Paris. Chegados a Paris, ninguém sabia onde era o hotel e não estava ninguém à nossa espera. Não havia um líder estabelecido, não se percebia quem mandava, a maior parte (eu incluído) não sabia onde terminava o ‘grupo’. Por sorte, como ia ter com uns primos, acabei por apanhar o RER e safei-me daquele problema. Cheguei a Paris pela tarde e ainda dei umas voltas simpáticas pela cidade.

No dia seguinte, contudo, tínhamos que ir para Estrasburgo. Lá fomos nós de novo até ao Charles de Gaulle. Chegámos a Estrasburgo à noite e, surpresa, ninguém fazia qualquer ideia de onde ficava o hostel. Lá foi outra vez aquela amálgama de pessoas à procura do local onde deveríamos pernoitar. Lembro-me de andar uns quilómetros até chegar ao local, depois de um autocarro nos ter abandonado numa rotunda, nos arredores da cidade (Estrasburgo não é assim tão grande, não foi dramático).

No dia seguinte, acordámos e fomos para o Parlamento. Chegámos, demos lá uma volta, pouca gente no hemiciclo como seria de esperar, tivemos uma conversa com João de Deus Pinheiro e já era tempo de almoçar (avisaram-nos logo que não havia muito tempo porque ainda voltávamos para Paris nesse dia e à tarde ainda tínhamos de ver algo).

Lá tivemos todos que ir apanhar um autocarro público. Por sorte, descobrimos uns seres humanos que lá andavam que também iam almoçar. Metemo-nos no autocarro deles. Depois de dois dedos de conversa percebemos que eram a ‘constituency’ de Carlos Coelho (há aqui algo que não bate certo porque, nas eleições europeias, Portugal não tem círculos eleitorais, mas como Carlos Coelho foi por duas vezes eleito para o Parlamento Português pelo Círculo eleitoral e Santarém e como me lembro que uma pessoa me disse que era de Mação, que faz parte do distrito de Santarém, eram capazes de lá estar por isso, não sei). Tinham ido para Estrasburgo de autocarro, desde Portugal. Simpático.

No curto caminho que distava entre o Parlamento Europeu e o restaurante (que era bom) aprendi uma das maiores lições de teoria das alianças eleitorais que aprenderei em toda a minha vida. Um simpático senhor, presidente de qualquer coisa numa terra qualquer, teve a gentileza de nos explicar (a mim e mais dois), abrindo-nos em simultâneo o apetite, como é que se garantia uma reeleição a troco de um vitelo (à direita) e de enchidos e lacto-derivados (à esquerda).

Antes do apressado almoço, houve tempo para um pequeno discurso de Carlos Coelho. Estava feliz por nos ter ali e tinha cumprido a promessa (cá está, eu lembro-me claramente disto, até porque um velho que estava na minha mesa fez questão de se rir alto quando ele disse aquilo) de levar aquelas gentes a ver ‘como a Europa funciona’, de autocarro.

O repasto foi bom. Voltámos para o Parlamento, andámos às voltas (recebi um passaporte da União com a minha fotografia – quando for ao Egipto vendo-o) e estava na altura de ir para o aeroporto. Infelizmente, para adocicar mais a coisa, o avião atrasou-se três horas por causa de nevoeiro.

Chegámos a Paris passava da meia-noite. Não havia RER, nem shuttle da Air France. Como estávamos cansados e não havia autocarros directos para onde íamos, fomos de táxi. Eu dividi o táxi com mais três pessoas e paguei vinte e cinco euros. Cheguei a casa dos meus primos às duas da manhã. No dia seguinte acordei, fui ao Trocadero (que era perto de casa), dei mais dois passos, entrei numa FNAC para comprar um disco do Curtis Mayfield para a minha prima (sou um primo impecável; ela tinha acabado de ter um desgosto amoroso) e apanhei o shuttle da Air France para o aeroporto (mais vinte e cinco euros).

Como podem ver, foi gira a viagem. Foi organizada exactamente pelas mesmas duas pessoas que organizaram esta. À chegada a Lisboa, o ‘solícito’ Duarte Marques ficou ofendido porque eu (e outros, mas eu sou bastante irascível) lhe disse que ele era um tremendo incompetente. Naturalmente, disse logo que não pagava nada daquilo (o preço tinha entretanto aumentado mais trinta ou quarenta euros), mas os meus pais chamaram-me à razão (‘afasta-te dessa gente, paga e desaparece que isso é tipo máfia de leste mas pior’). Dias depois, o supracitado ‘solícito’ apareceu na minha universidade para pedir desculpa pela viagem. Cruzámo-nos à saída da sala de aula, estendi-lhe a mão e ele não me cumprimentou. Entrei de novo dentro da sala, paguei o que devia e fui-me embora.

Só voltei a ver o ‘dinâmico’ Duarte Marques por duas ocasiões. Uma vez num bar, outra numa edição da revista Visão sobre ‘o Futuro da Política’. Com a competência demonstrada, de certeza que ainda o hei-de encontrar num cartaz qualquer ali para os lados do Marquês.

2 comentários:

Mr B disse...

nao percebo de que te queixas

pareceu me maravilhosa essa "trip"..ja na altura achei!

El-Gee disse...

"recebi um passaporte da União com a minha fotografia – quando for ao Egipto vendo-o" é uma maravilhosa metáfora para a tua frustracao