sexta-feira, janeiro 30, 2009

descrição do blogue

"This is a generation of astonishing fellators".

Philip Roth, The Dying Animal, Vintage Books (2001)

quinta-feira, janeiro 29, 2009

está provado

"Pois esta noite, assim que ajoelhei diante da capela da Senhora, depois de seis salve-rainhas, voltei-me para a bela imagem e disse-lhe: 'Ai, quem me dera saber como está a minha tia Patrocínio!'. E quer a titi acreditar? Pois olhe, a Senhora, com a sua divina boca disse-me, palavras textuais, que até, para não me esquecerem, as escrevi no punho da camisa: 'A minha querida afilhada vai bem, Raposo, e espera fazer-te feliz!'. E isto não é milagre extraordinário, porque me contam aqui todas as famílias respeitáveis com quem vou tomar chá que a Senhora e seu divino Filho dirigem sempre algumas palavras bonitas a quem os vem visitar. Saberá que já lhe obtive certas relíquias, uma palhinha do presépio e uma tabuinha aplainada por S. José. O meu companheiro alemão, que, como mencionei à titi na minha carta de Alexandria, é de muita religião e muito sábio, consultou os livros que traz e afirmou-me que a tabuinha era das mesmas que, segundo está provado, S. José costumava aplainar nas horas vagas".

Eça de Queiroz, A Relíquia (1887).

Não há qualquer explicação para o que eu me ri ontem à noite a ler isto e nem estava sob o efeito de psicotrópicos. Esse trecho é um retirado de uma carta de Teodorico, o maior mentiroso do mundo, para a sua tia, a crente senhora que lhe pagou uma viagem à terra onde Jesus nasceu.

Coelho


Sinto a perda de John Updike, embora não tenha lido nenhum livro seu. Sempre li e ouvi que era um excelente escritor, um dos grandes escritores americanos dos últimos anos. Ainda assim, confesso que não tenho nenhum interesse particular em Updike. Antes dele poria Pynchon, mais Roth ou algum Foster Wallace. Procurei uma razão para o meu aparente desinteresse pela obra de tão reputado autor. Fico perdido quando o desinteresse não se prende com uma qualquer repulsa visceral infundada, que é o que normalmente acontece. Não tenho qualquer razão para desgostar de Updike. Acho que o problema deve estar relacionado comigo e com as traduções da sua saga Rabbit. É que se Harold C. 'Rabbit' Angstrom me remete para uma américa suburbana e burguesa, Coelho remete o meu imaginário para uma vila qualquer entre Coimbra e Vilar Formoso. Ao ler títulos como Coelho Enriquece, Regressa, Coelho ou Corre Coelho, imagino as desventuras de um tipo qualquer do interior de Portugal, entre França, o sucesso e a fuga ao fisco por causa de um negócio que envolve offshores. O que é até é material para dar uns bons livros ou uma biografia romanceada de um qualquer banqueiro, mas não me seduz.

adenda: o London Review of Books disponibiliza no seu site, vinte e um ensaios sobre Updike. Alerto-vos ainda para a, aparentemente nada simpática, recensão de Gore Vidal a In the Beauty of the Lilies de Updike, a mais extensa recensão jamais publicada no Times Literary Supplement.

terça-feira, janeiro 27, 2009

Rebecca Hall: um ser humano integralmente concebido para estar a sorrir


Que a Rebecca Hall é a tipa mais gira do Frost Nixon, até porque é a única, é indiscutível. Mas eu acho que ela também deve ser a tipa mais gira do Vicky, Cristina e Barcelona (se tivesse sido o Nicolau Breyner a dar este nome a um filme queria ver). E vocês devem achar que eu sou estúpido, dado que o Woody Allen pôs a Penélope a comer a Scarlett. E são capazes de ter um bocadinho de razão. Isto é uma espécie de equilíbrio de Nash.

sábado, janeiro 24, 2009

un jolie mix pour toi

"In the face of George W Bush's ultra-political presidency - his massive extension of executive power and his prosecution of a politics of fear based on the identification of an enemy as morally evil - it is not difficult to understand the popularity of Obama's anti-political vision. Against the messianic certainties of Bush, Obama promises a return to a beatific liberalism whereby everything is seen sub specie consensus. This is a world where good old democratic deliberation replaces decisionism and where the to and fro of civil conversation replaces religious absolutism. Democracy is not a house to be built but "a conversation to be had". After eight disastrous years of gross mismanagement, secrecy, and lies, it sounds like an absolutely blissful prospect.
True, one might wonder how Obama's evacuation of power relations in the political realm goes together with his faith in the agon of capitalism, competition, and the salutary effects of free markets. One might also wonder how such a political position might genuinely begin to deal with poverty. But I don't want to go down the route of the classic critique of liberalism, according to which politics is evacuated in favor of the bifurcation of ethics, on the one hand, and economics, on the other, and the former is the veil of hypocrisy used to conceal the violence of the latter".


Há uma série de pontos importantes nessas linhas aí em cima que eu, por pura incompetência ortográfica, ainda não vos fiz ver. Mas é também por isso que nunca ninguém me convidou para ser professor na New School, onde teria a enorme oportunidade, entre outras, de me sentar numa retrete usada em anos diferentes pelo Horkheimer, o Adorno, a Hannah Arendt e o Hans Morgenthau. Mais a mais, e já na linha de alguém que tem mais que capacidades para evacuar nesse locus historicus do pensamento político do século XX, partilho convosco as imensas possibilidades filosóficas, ao nível da ontologia, que são avançadas por um anúncio do queijo terra nostra em que é dito algo como isto: "os açores apenas foram habitados em 1420. É isto que torna terra nostra tão único". Eu tenho 27 anos, o Heidegger escreveu o Ser e o Tempo aos 29, logo tenho dois anos para mergulhar nesta problemática; como é que é relevante para a existência do queijo terra nostra no século XXI, não ter havido gente nos açores até 1420? Estará a malta do terra nostra a dizer que a existência de queijo terra nostra é anterior, ontologicamente, à existência humana na ilha? Será a própria ilha, enquanto acidente geográfico, anterior à concepção humana de ilha? Farão os animais queijo? Será o açor a primeira ave quejeira? Isto é muito complicado. É quase tão complicado aliás, como o gajo que fez a crítica do novo livro da Irene Flunser Pimentel (que é, by the way, das pessoas mais interessantes que este país faz o favor de acolher) escrever que "o reconhecimento de que os criminosos são seres humanos acarreta terríveis conclusões acerca da natureza humana" sem citar o Eichmann em Jerusalém da Hannah Arendt, quando isso é exactamente a dura conclusão a que Arendt chega. Isto é: que afinal os cabrões dos Nazis não são todos uns seres humanos diabólicos mas sim seres humanos. Especialmente estúpidos é claro, mas isso é o que há mais por aí.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Hitchens

Confesso que não sou particular fã de Christopher Hitchens. Não defendo muitas das suas ideias e não aprecio o estilo provocador, por vezes tão frontal que ronda o insensível. Nunca li nenhum dos seus livros, embora tenha algum interesse naqueles em que ele se dedica a destruir a ideia que Deus existe. Mas Hitchens, para o bem e para o mal, é um homem dedicado, inteligente, interessado, opinativo, bem preparado para defender as suas ideias até ao fim e com um apurado sentido de humor (lembro-me que há uns anos, numa entrevista televisiva, o público o começou a vaiar por algo que ele disse. Hitchens, sem mais, virou-se na direcção da plateia e presenteou-os com um bem extendido dedo médio). E, se há coisa em que se notam algumas dessas qualidades, é nos parágrafos iniciais de alguns dos seus textos. Este, por exemplo:

"I was once introduced, in the Cosmos Club in Washington, to Willis Carto of the Liberty Lobby, a group frequently accused of being insufficiently philo-Semitic. Mr Carto unburdened himself of quite a long burst about the power of finance capital, whereupon our host, to lighten the atmosphere, said, “Come on Willis, you’re sounding like Ezra Pound”. “Ezra Pound!” exclaimed Mr Carto. “Why, I love that man’s work. Except for all that goddam poetry!” I thought then that if one ever needed a working definition of an anti-Semite, it might perhaps be an individual who esteemed everything about Ezra Pound except his Cantos".

Ou este:

"At a dinner party that will forever be green in the memory of those who attended it, somebody was complaining not just about the epic badness of the novels of Robert Ludlum but also about the badness of their titles. (You know the sort of pretentiousness: The Bourne Supremacy, The Aquitaine Progression, The Ludlum Impersonation, and so forth.) Then it happily occurred to another guest to wonder aloud what a Shakespeare play might be called if named in the Ludlum manner. At which point Salman Rushdie perked up and started to sniff the air like a retriever. “O.K. then, Salman, what would Hamlet’s title be if submitted to the Ludlum treatment?” “The Elsinore Vacillation,” he replied—and I find I must stress this—in no more time than I have given you. Think it was a fluke? Macbeth? “The Dunsinane Reforestation.” To persist and to come up with The Rialto Sanction and The Kerchief Implication was the work of not too many more moments".

Repararam como em meia dúzia de linhas o gajo nos deixa irremediavelmente ansiosos para saber o diz o resto do texto? Serei só eu que acha isto soberbo (estou com uma dose cavalar de anti-histamínicos nos cornos, até injecções intramusculares levei)? Até podia nem dizer nada de jeito nas páginas seguintes (diz) que, com parágrafos iniciais destes, só estamos a ler para podermos voltar ao início com sentido de missão cumprida e reler o primeiro parágrafo mais cinco vezes.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

the Atlantic


Todos os seres pertencentes à espécie humana que queiram, dentro do possível, abrilhantar a miséria com que essa mesma espécie nos obsequia todos os santos dias, devem peregrinar até à página da The Atlantic, a revista de quem é politicamente cool, e ler, enquanto estão disponíveis, textos dos arquivos da revista sobre os presidentes que iam tomar posse.

Poderão pensar que a coisa vem desde Roosevelt ou algo assim porque os americanos não têm história como nós temos e porque eles compram casas pré-fabricadas com nomes tipo Versailles Grand Chalet ou Louis XIV's Guillotine Wonder. Enganam-se. Os textos vêm desde Lincoln (1860) até Clinton, passando por Grant, Teddy Roosevelt, o fascinante Woodrow Wilson, F.D.R., Kennedy, Carter e Reagan. A lista termina com um artigo de Andrew Sullivan sobre Obama.

béla fleck and the flecktones



Ora temos portanto, da esquerda para a direita, a seguinte disposição: Victor Wooten, um dos melhores baixistas do mundo, Béla Fleck, o maior banjista (que nome se dá a um gajo que toca banjo?), Jeff Coffin, o melhor saxofonista careca com barbicha do mundo e, por último, Futureman, o único homem do globo que toca Drumitar. Perguntam vocês em coro, Mater Dei style (Santo Amaro está muito batido), o que é um Drumitar divino filipe? A resposta está aí em baixo. Para aqueles que acham que o sistema métrico não deve ser adoptado nos Estados Unidos, a leitura do trecho seguinte é desanconselhável.

"At the heart of that music is RoyEl's ground breaking percussion technique performed on his first invention he calls the Drumitar. The guitar shaped Drumitar allows him to replicate sounds of an entire contemporary drum kit with just a few fingers. His desire to play with the greatest possible emotional sensitivity has led to his new creation, "The RoyEl": an instrument shaped like a piano upon which he is composing music for the new century. This music employs the power and science of Mother Nature to attain the natural ratios of the Golden Means (Phi) and the keyboard is styled after the table of the periodic elements. It's no accident, he said, that the RoyEl resembles a keyboard since "More and more I see the piano like a drum set and the drum set like a piano."

quinta-feira, janeiro 15, 2009

freedom-loving people

"for political and military elites in Israel, and the War on Terror constituency in the US, the killing of Arabs and Muslims no longer requires any weeping or soul-searching. It’s just what freedom-loving people do".

A ler uma interessante lista de pequenos artigos de opinião de habituais colaboradores da London Review of Books, sobre a recente guerra em Gaza.

Policarpo

O pior ainda está para vir. Como é óbvio para toda a gente, Policarpo disse uma barbaridade que apenas um dirigente religioso ou um jovem do PNR poderia dizer. E, ainda assim, tenho quase a certeza que todos os canais de televisão vão fazer reportagens sobre jovens casais em que o homem é muçulmano e a mulher é católica, demonstrando como são felizes. Isto para provar que uma parvoíce tremenda é mesmo uma parvoíce tremenda. Como se fosse necessário.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Last Shadow Puppets

Smithereens é das palavras mais bonitas da língua inglesa.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Obama


O Obama tem um belo cruzar de perna.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Fico especialmente horrorizado com as visões de alguns comentadores de 'política internacional' sobre o conflito do Médio Oriente. Não que as outras análises não me causem repugna, causam. Fico indisposto sempre que leio textos com títulos como "um cessar-fogo em Gaza não resolve nada", que era o título do editorial da Revista Sábado da semana passada. Nada, à excepção de, desde o dia em que a revista saiu, uma centena de vidas talvez. Mas algum 'especialistas' primam pelo mau gosto, especialmente aqueles que gostam só de factos e se consideram sábios conhecedores do cálculo político. É o caso do Bernardo Pires de Lima que, nos dois textos (1, 2) que lhe li sobre o conflito, trata a questão como um jogo eleitoral puro, manobrado por Livni e Barak para disputarem o que parecia ser uma eleição perdida à partida para Netanyahu. Em ambos o argumento é o mesmo: o Hamas deu a Israel o que o actual governo de Israel queria. Segundo Pires de Lima, Israel procurava um pretexto para destruir o Hamas e agora vai faze-lo. Daí que o Hamas tenha feito um 'favor' e que Israel tenha levado a cabo uma operação 'militarmente brilhante'. E onde estão os civis neste quadro todo? Não estão. Ou melhor, estão subordinados ao objectivo central, que é destruir o Hamas. Daí que Pires de Lima não se coíba de afirmar que a operação é também oportuna porque, ao destruir o Hamas, Israel fica com a Fatah como interlocutor único, o que possibilita a criação de dois Estados.

O 'perito', como o 'cientista político' tem destas coisas. De tanto cálculo, de tanta estratégia, de tanta distância e análise clínica, acaba por se desdobrar em análises imaculadas e elegantes, mas que no fundo não fazem sentido nenhum, porque de humano pouco ou nada têm. A facilidade com que Pires de Lima exalta as proezas militares Israelitas com o objectivo de destruir o Hamas, menorizando, por omissão, a miséria e a morte dos civis palestinianos que vivem em Gaza, diz também muito da estranha espécie de conservadorismo que alguns apregoam. Arrogantes e convencidos, tão certos estão da nobreza dos seus fins que se esquecem de olhar aos meios usados para os alcançar.

Arendt



Depois de ler este interessante artigo de Adam Kirsch - o mesmo Kirsch que ainda há semanas escrevia uma texto no mínimo preguiçoso sobre Zizek - sobre Hannah Arendt e o interesse que tem ressurgido no seu trabalho, surge-me como escolha quase óbvia para melhor livro lido por mim no ano que passou, Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil. As razões para escolha serão esgrimidas ainda hoje, espero, caso haja disponibilidade e paciência. Leiam por favor. Todos devíamos ser obrigados a ler isso.

Passion Pit

The Boston, MA-based Passion Pit began as a one-man project of singer and songwriter Michael Angelakos to produce a Valentine's Day gift for his girlfriend. The gift, an EP entitled Chunk of Change, soon wound up in the hands of friends and acquaintances, who were enthralled with the work. (tomei conhecimento destes seres via Sound + Vision).

O EP é bem giro. Bom, já que se escreve sobre esta espécie de pop que é o pop índio, confesso-me perplexo por haver uma quasi unanimidade no que respeita à nomeação do disco homónimo dos Vampire Weekend como um dos discos do ano passado. A sorte é que, por certo, serão todos obrigados a comer os encómios quando o álbum tiver sucessor. Eu sei que alguma animosidade extra pode toldar o espírito crítico, mas nunca consegui engolir aquela merda de eles gostarem de caracterizar a música deles como Upper West Side Soweto. Irrita-me. Soa-me a Hippie Chic. Além do mais, acho que lhes falta aquela decandência fundamental que sustenta a magia do rock índio (se bem que estes Passion Pit também me parecem ser excessivamente cheirosos). Também me preocupam os elogios palavrosos aos Last Shadow Puppets. É giro, tem umas canções interessantes, o tipo tem uma pronúncia engraçada, algumas melodias são jeitosas, e, por vezes, as linhas da voz são inesperadas e resultam bem. Mas é isso. Pronto, é bem orquestrado. Tem uns metais engraçados aqui e ali. As letras têm substância e vê-se que não há uma procura pela rima fácil. Pronto, ok. Last Shadow Puppets até pode ser mais giro do que eu achava antes de começar a escrever a série de coisas positivas que escrevi sobre eles. Há uma falha contudo: falta um bocadinho de violência na música (não nas letras) que o indie deve ter, nem que seja para mostrar se lhe for pedido. Ainda que, biograficamente falando, o gajo dos Puppets, que pertence aos Monkeys, namore com a Alexa Chung. O que é uma espécie de violência.

domingo, janeiro 11, 2009

onion

E pronto, a Revista Única do Jornal Expresso, o semanário de referência, cita o site satírico The Onion numa notícia, como sendo uma fonte fidedigna. É maravilhoso um ser humano constatar que se chegou ao fim da linha em alguma coisa, não é? Pronto, acabou. Finito. Não há mais confiança disponível. Os mais cínicos podem perguntar se supreende; a resposta é negativa. Não surpreende, todos sabíamos que vinha a caminho algo do género. Um dia, num futuro próximo, jovens doutorados terão escrito teses de doutoramento com base no Wikipedia apenas. Mas, mesmo não sendo uma surpresa, choca sempre quando acontece. E pronto, cá está. Dia 10 de Janeiro de dois mil e nove. Adorava que o Ezra Pound tivesse vivo para escrever um canto sobre isto.

sábado, janeiro 10, 2009

hoje acordei assim


fotografia de Martin Schoeller aqui.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

fora de jogo

Em caso de dúvida, beneficia-se sempre o atacante.