Pt.1
Há uns anos estava na praia a tentar fazer bodyboard (sou sincero - eu tento fazer. Não faço nada daquilo. Além do mais sempre que tento dão-me cãimbras enormes nos pés e nas costas. Devia desistir eu sei. Mas é giro.) e uns gajos, mais profissionais, que estavam dentro d' água à conversa enquanto esperavam pelas ondas estavam a ter a seguinte conversa:
- Então, já vi que construíste uma barraca na praia (o que construiu a barraca na praia era o nadador salvador se não em engano).
- Ya pá. Demorou um bocado mas lá consegui. Está louca não está? Mesmo bom deixar ali as coisas e dormir ali quando tempo deixa.
- Epá, tá brutal. Quem me dera. Já tens uma cabana na praia, agora só te falta escrever um livro, ter um puto e plantar uma árvore.
Eu, que devia ter os meus 21 anos, fiquei maravilhado com aquilo - Epá, pensei eu, que objectivos de vida tão brutais. Brutais na sua simplicidade. Que obra brutal, que legado simples e ao mesmo tempo tão poderoso, e saboroso, e “preenchedor”.
Pt.2
Há pouco tempo, um grande amigo meu, confidenciou-me que ia escrever um livro. Salvo erro, fui um dos primeiros a saber. Brutal pensei. O gajo merece, escreve como poucos. No outro dia, este meu amigo, decidiu finalmente revelar á sua audiência (ele tem um blog - maisdemilvozes.blogspot.com) que ia escrever um livro. Choveram comentários de parabéns e, pelo menos um que me lembre, voltava a este assunto da trindade.
Foi qualquer coisa como – brutal, agora só te falta teres um filho e plantares uma árvore. Eu voltei a pensar, agora com 24 anos: será que ainda faz sentido? Continua a parecer-me romântico, simples, poderoso. Uma obra que ninguém me pode tirar. Crio três coisas quase eternas. Uma árvore que pode durar centenas de anos, que ficará por cá muito depois de eu morrer. Uma criança a quem, em princípio, acontecerá o mesmo - uma linha que por mim passou e à qual eu dei seguimento. Um livro que ficará para sempre, nem que seja na memória do meu filho e na daqueles que o leram e que dele gostaram.
Pt. 3
Ia hoje, no autocarro, a caminho do trabalho, quando me aparece à frente, de novo, esta trindade. O sítio onde me apareceu não podia ser mais surpreendente – pelo menos para mim.Foi na "Cidade e as Serras" do Eça. A propósito do "menino Jacinto" ter descoberto o prazer da natureza selvagem, na sua velha casa de Tormes, tão distante do seu 202 nos Campos Elísios, diz Zé Fernandes, seu companheiro e amigo:
- "Pois é um dos três grandes actos, sem os quais, segundo diz não sei que filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem...Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro".
Até para uma pessoa sobejamente complicada para o Jacinto, alguém cuja reacção natural é procurar na ciência e na filosofia as respostas para toda e qualquer maleita ou azar, esta trindade parece ser algo que faz sentido. É uma forma de preencher a sua vida (este meu preencher, já usado mais acima, vem do fullfilled - se calhar ficava melhor realizado/a).
Pt. 4
Será então o cumprimento desta trindade a forma de se ser um "verdadeiro homem"? Alguém que cumpriu a sua missão na terra (se é que há uma - eu acho que há, e mais colectiva que individual)?
Não sei.
Nem sei se me sentiria realizado por ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Talvez seja apenas um bom denominador comum. Uma base.
Um bom cliché.
Não sei. Mas, na verdade, espero vir a fazer os três.
Parece-me um bom começo.