terça-feira, abril 03, 2007

A árvore, o livro, e a criança

Pt.1

Há uns anos estava na praia a tentar fazer bodyboard (sou sincero - eu tento fazer. Não faço nada daquilo. Além do mais sempre que tento dão-me cãimbras enormes nos pés e nas costas. Devia desistir eu sei. Mas é giro.) e uns gajos, mais profissionais, que estavam dentro d' água à conversa enquanto esperavam pelas ondas estavam a ter a seguinte conversa:

- Então, já vi que construíste uma barraca na praia (o que construiu a barraca na praia era o nadador salvador se não em engano).
- Ya pá. Demorou um bocado mas lá consegui. Está louca não está? Mesmo bom deixar ali as coisas e dormir ali quando tempo deixa.
- Epá, tá brutal. Quem me dera. Já tens uma cabana na praia, agora só te falta escrever um livro, ter um puto e plantar uma árvore.

Eu, que devia ter os meus 21 anos, fiquei maravilhado com aquilo - Epá, pensei eu, que objectivos de vida tão brutais. Brutais na sua simplicidade. Que obra brutal, que legado simples e ao mesmo tempo tão poderoso, e saboroso, e “preenchedor”.

Pt.2

Há pouco tempo, um grande amigo meu, confidenciou-me que ia escrever um livro. Salvo erro, fui um dos primeiros a saber. Brutal pensei. O gajo merece, escreve como poucos. No outro dia, este meu amigo, decidiu finalmente revelar á sua audiência (ele tem um blog - maisdemilvozes.blogspot.com) que ia escrever um livro. Choveram comentários de parabéns e, pelo menos um que me lembre, voltava a este assunto da trindade.

Foi qualquer coisa como – brutal, agora só te falta teres um filho e plantares uma árvore. Eu voltei a pensar, agora com 24 anos: será que ainda faz sentido? Continua a parecer-me romântico, simples, poderoso. Uma obra que ninguém me pode tirar. Crio três coisas quase eternas. Uma árvore que pode durar centenas de anos, que ficará por cá muito depois de eu morrer. Uma criança a quem, em princípio, acontecerá o mesmo - uma linha que por mim passou e à qual eu dei seguimento. Um livro que ficará para sempre, nem que seja na memória do meu filho e na daqueles que o leram e que dele gostaram.

Pt. 3

Ia hoje, no autocarro, a caminho do trabalho, quando me aparece à frente, de novo, esta trindade. O sítio onde me apareceu não podia ser mais surpreendente – pelo menos para mim.Foi na "Cidade e as Serras" do Eça. A propósito do "menino Jacinto" ter descoberto o prazer da natureza selvagem, na sua velha casa de Tormes, tão distante do seu 202 nos Campos Elísios, diz Zé Fernandes, seu companheiro e amigo:

- "Pois é um dos três grandes actos, sem os quais, segundo diz não sei que filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem...Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro".

Até para uma pessoa sobejamente complicada para o Jacinto, alguém cuja reacção natural é procurar na ciência e na filosofia as respostas para toda e qualquer maleita ou azar, esta trindade parece ser algo que faz sentido. É uma forma de preencher a sua vida (este meu preencher, já usado mais acima, vem do fullfilled - se calhar ficava melhor realizado/a).

Pt. 4

Será então o cumprimento desta trindade a forma de se ser um "verdadeiro homem"? Alguém que cumpriu a sua missão na terra (se é que há uma - eu acho que há, e mais colectiva que individual)?

Não sei.
Nem sei se me sentiria realizado por ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Talvez seja apenas um bom denominador comum. Uma base.
Um bom cliché.

Não sei. Mas, na verdade, espero vir a fazer os três.
Parece-me um bom começo.

2 comentários:

El-Gee disse...

Tem piada ver-te interrogar sobre isto. Não diria que fosse uma interrogação nada tua.

Essa trindade é tão boa como qualquer outra, mas na sua génese está o deixar obra. Árvore, filho, livro, são produtos palpáveis da acção de alguém na terra. Eu diria que construir uma casa, fundar uma escola, descobrir uma espécie biológica, são outras formas, entre tantas que há, de alguém se eternizar.

Não me meço minimamente por esses objectivos. Penso que na vida há, somente, que estar de consciência tranquila com o passado.

Deixar legado, não deixar, ser feliz, não ser, ser bom gajo, não ser, deixar ca filhos, não deixar. Tudo isso são questões de algum interesse, mas no final vamos morrer, e quando morrermos, a única coisa que interessa, é se valeu a pena.

E terá valido a pena, quanto mais estivermos felizes e tranquilos com as nossas decisões.

Para mim isso basta. Porque, alias, deixar um legado só serve a quem cá fica, que por sua vez também morrerá, num contínuo sem fim onde cada um tem uma única oportunidade de ser ele próprio.

É por isso, caro Filipe, e por nada mais, que eu amo as pequenas coisas, pois são elas que nos mostram a diferença entre um dia feliz e mais um dia desperdiçado.

Nêspera disse...

Caro amigo,
Estive a pensar um pouco sobre essa frase.
Conclusões:

1) É certo que os três vertices desse triangulo tem uma coisa em comum: são coisas duráveis no tempo e que te prolongam após a tua morte, não são infinitas mas simbolizam continuidade e presença.

2) Analisando a pessoa que escreve a frase, percebemos que tem pelo menos 120 anos.
E qual o porquê destes 3 vertices?
O filho, o livro e a árvore.
Se contextualizarmos para o Séc.XIX. talves seja mais fácil.
Quais são os drivers da existência humana?
Acho que são e sempre foram a familia, o trabalho e o resto, ou seja, o lazer, os tempos livres.
São e continuam a ser, somos pessoas à mesma, os drivers estão lá.
As necessidades de cada um é que diferem.
Naquela altura (e hoje) o que é que simboliza o conceito famiila?
Um filho.
Naquela altura qual a actividade laboral que se estava na base da economia? A agricultura.
E que melhor maneira de a representar que um arvore?
Por outro lado como se passava o tempo antigamente? Via-se televisão? Não.
Lia-se um Livro.

3)Concordo com o que o ElGee diz e acho que existem milhares de coisas que nos podem preencher, prolongar, imortalizar.
No fundo marcar esta nossa curta passagem por este pedaço de terra.
Acho a frase simplista e acima de tudo redutora.

Cada um tem que fazer muito mais que isso.
Uma sugestão: Ajudar quem precisa