"A vida e o mundo, como visão de um homem qualquer: vivemos sobre pedras e barro, entre madeiras com folhas verdes, devorando fragmentos do universo que nos inclui, entre fogueiras, entre fluidos, combinando ressonâncias, protegendo o passado e o porvir, dolorosos, térmicos, rituais, sonhando que sonhamos, irritados, cheirando, tacteando, entre pessoas, num insaciável jardim que a nossa queda abolirá.
Visão da física: uma opaca, uma interminável extensão de protões e de electrões, irradiando no vazio; ou, talvez (fantasma de universo), o conjunto de irradiações de uma matéria que não existe.
Como numa criptografia, nas diferenças dos movimentos atómicos, o homem interpreta: ali o sabor de uma gota de água do mar, ali o vento nas escuras casuarinas, ali uma aspereza no metal polido, ali a fragrância do trevo na hecatombe do Verão, aqui o teu rosto. Se houvesse uma mudança nos movimentos dos átomos, aquele lírio seria, talvez, o golpe de água que derruba a represa, ou uma manada de girafas, ou a glória do entardecer. Uma mudança no ajuste dos meus sentidos faria, talvez, das quatro paredes desta cela a sombra da macieira do primeiro pomar.
Como saber se o pássaro que cruza os ares não é um imenso mundo de voluptuosidade, vedado aos teus cinco sentidos?"
William Blake, citado em Plano de Evasão de Adolfo Bioy Casares.