quarta-feira, novembro 14, 2007

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"O autocarro, o autocarro, o que terá sido que interveio no autocarro que me impediu de me vir para cima do braço da shikse adormecida - não faço ideia. Acha que terá sido o bom senso? A mais elementar decência? A minha sanidade mental, como costuma dizer-se, a vir à tona? Pois sim, mas onde estava essa sanidade na tarde em que eu cheguei da escola e a minha mãe não estava em casa, e vi no nosso frigorífico um grande naco roxo de fígado cru? Acho que já confessei a história do bocado de fígado que comprei num talho e fodi atrás de um tapume a caminho da lição de bar mitzvah. Ora bem, agora quero deixar tudo em pratos limpos, Vossa Santidade. Aquele - ela - isso - não foi o meu primeiro pedaço. O primeiro, comi-o na privacidade da minha própria casa, enrolado à volta da piça, na casa de banho, às três e meia da tarde - e depois comi-o outra vez na ponta do garfo, às cinco e meia, na companhia dos outros membros da minha pobre família inocente.
Ora aí tem. Agora já sabe a pior coisa que eu fiz na minha vida. Fodi o jantar da minha própria família."


Philip Roth em O Complexo de Portnoy.

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