O Leitor é um livro interessante, não mais que isso. Lê-se bem e a bom ritmo. É um livro com uma prosa agradável e cuja história nos agarra. Não fica na minha bibliografia essencial mas pelo menos já posso ir ver o filme sabendo ao certo o que é que vai ser destruído ou construído. O Leitor tem, contudo, uma série de passagens interessantes. Uma delas é a seguinte:
"Não sei porque o fiz. Mas hoje reconheço, naquilo que então aconteceu, o esquema por meio do qual o pensamento e a acção se conjugaram ou divergiram durante toda a minha vida. Penso, chego a um resultado, fixo-o numa conclusão e apercebo-me de que a acção é algo independente, algo que pode seguir a conclusão, mas não necessariamente. Durante a minha vida, fiz muitas vezes coisas que não tinha decidido fazer, e não fiz outras que tinha firmemente decidido fazer. Algo que existe em mim, seja lá o que for, age; algo que me faz ir ter com uma mulher que já não quero voltar a ver, que faz ao superior um reparo que me pode custar o emprego, que continua a fumar embora eu tenha decidido deixar de fumar, e que deixa de fumar quando me resignei a ser um fumador para o resto dos meus dias. Não quero dizer que o pensamento e a decisão não tenham alguma influência na acção. Mas a acção não decorre só do que foi pensado e decidido antes. Surge de uma fonte própria, e é tão independente como o meu pensamento e as minhas decisões".
Esta passagem fez-me lembrar uma reportagem que saiu no P2 a semana passada sobre o português que misteriosamente desapareceu em Berlim. O que me marcou nessa reportagem, feita quando já passavam 40 dias do desaparecimento, foi a constatação da possibilidade de desconhecimento de alguém que, até há pouco tempo, os amigos tinham a certeza de conhecer. É que, quando confrontados com a hipótese de desaparecimento por iniciativa própria, se quase todos diziam que nada fazia esperar tal coisa porque X não era 'assim e assado', ao mesmo tempo deixavam no ar a hipótese de que, talvez, ele fosse mesmo assim e assado, precisamente porque, e isto é a minha conclusão, ninguém conhece verdadeiramente ninguém.
Ninguém nos conhece melhor que nós próprios e, ainda assim, mesmo nós próprios, muitas vezes, como Schlink condensa nesse parágrafo, não fazemos a mínima ideia do porque é que fazemos o que fazemos. Isto é uma reflexão que já tenho há algum tempo e vem daí a minha crescente irritação com 'porquês'. Irrito-me porque eu próprio, por vezes, não sei as razões de muita coisa do que faço ou sinto (e mesmo que saiba, como pôr isso em palavras?). E porque é que as deveria saber? Quem é que mo exige? Uma concepção datada, mas ainda vigente no senso comum, da continuidade entre pensamento e acção?
Foi por isso em parte que gostei tanto do verso (a poesia é provavelmente a essência na qual o nexo pensamento/acto está menos presente) "amar é um elo entre o azul e o amarelo". Podem-se perguntar o porquê ou o sentido de tal verso. Eu não sei qual é, mas, para mim, faz todo o sentido.
ps. Esta maneira de pensar tem consequências para uma ética de responsabilidade - como responsabilizar aquele que se diz irresponsável? Onde acaba o impulso e começa o acto? - mas eu ainda não dediquei muito tempo a pensar nisso. Aliás, nem a isso nem a tudo o resto.
adenda: O corpo de Afonso Tiago, o jovem português desaparecido em Berlim que refiro acima, foi encontrado hoje pela polícia alemã.
"Não sei porque o fiz. Mas hoje reconheço, naquilo que então aconteceu, o esquema por meio do qual o pensamento e a acção se conjugaram ou divergiram durante toda a minha vida. Penso, chego a um resultado, fixo-o numa conclusão e apercebo-me de que a acção é algo independente, algo que pode seguir a conclusão, mas não necessariamente. Durante a minha vida, fiz muitas vezes coisas que não tinha decidido fazer, e não fiz outras que tinha firmemente decidido fazer. Algo que existe em mim, seja lá o que for, age; algo que me faz ir ter com uma mulher que já não quero voltar a ver, que faz ao superior um reparo que me pode custar o emprego, que continua a fumar embora eu tenha decidido deixar de fumar, e que deixa de fumar quando me resignei a ser um fumador para o resto dos meus dias. Não quero dizer que o pensamento e a decisão não tenham alguma influência na acção. Mas a acção não decorre só do que foi pensado e decidido antes. Surge de uma fonte própria, e é tão independente como o meu pensamento e as minhas decisões".
Esta passagem fez-me lembrar uma reportagem que saiu no P2 a semana passada sobre o português que misteriosamente desapareceu em Berlim. O que me marcou nessa reportagem, feita quando já passavam 40 dias do desaparecimento, foi a constatação da possibilidade de desconhecimento de alguém que, até há pouco tempo, os amigos tinham a certeza de conhecer. É que, quando confrontados com a hipótese de desaparecimento por iniciativa própria, se quase todos diziam que nada fazia esperar tal coisa porque X não era 'assim e assado', ao mesmo tempo deixavam no ar a hipótese de que, talvez, ele fosse mesmo assim e assado, precisamente porque, e isto é a minha conclusão, ninguém conhece verdadeiramente ninguém.
Ninguém nos conhece melhor que nós próprios e, ainda assim, mesmo nós próprios, muitas vezes, como Schlink condensa nesse parágrafo, não fazemos a mínima ideia do porque é que fazemos o que fazemos. Isto é uma reflexão que já tenho há algum tempo e vem daí a minha crescente irritação com 'porquês'. Irrito-me porque eu próprio, por vezes, não sei as razões de muita coisa do que faço ou sinto (e mesmo que saiba, como pôr isso em palavras?). E porque é que as deveria saber? Quem é que mo exige? Uma concepção datada, mas ainda vigente no senso comum, da continuidade entre pensamento e acção?
Foi por isso em parte que gostei tanto do verso (a poesia é provavelmente a essência na qual o nexo pensamento/acto está menos presente) "amar é um elo entre o azul e o amarelo". Podem-se perguntar o porquê ou o sentido de tal verso. Eu não sei qual é, mas, para mim, faz todo o sentido.
ps. Esta maneira de pensar tem consequências para uma ética de responsabilidade - como responsabilizar aquele que se diz irresponsável? Onde acaba o impulso e começa o acto? - mas eu ainda não dediquei muito tempo a pensar nisso. Aliás, nem a isso nem a tudo o resto.
adenda: O corpo de Afonso Tiago, o jovem português desaparecido em Berlim que refiro acima, foi encontrado hoje pela polícia alemã.
3 comentários:
Porque é que dizes tudo isso? Não percebo...Explica.
O actor por Impulso é tao responsavel como o actor por Razao. Nesse sentido, responsabilizar é facil: corpo e mente, mesmo que des-sintonizados, estao interligados.
Em relacao a tudo o que precede essa analise, no post, gostei de ler e é uma reflexao importante, na medida em que admitir que nao sabemos porque fazemos algo já é um passo decisivo na descoberta do Porque dessa algo, mesmo que nunca o descubramos -
a auto-descoberta é um exercicio de aproximacoes e cada nova pergunta cria uma serie de possibilidade de respostas.
Quanto mais nos questionamos, menos concluímos mas mais nos conhecemos, penso.
acho que é mesmo isso da tua última frase.
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