terça-feira, abril 22, 2008

escrever

A palavra escrita limita-nos. Sem ela não somos, mas com ela somos apenas por um momento. Somos aquele momento em que a passámos para o papel. Depois de a escrevermos já não somos. Éramos. Talvez fosse por isso que alguns (como Beckett e Joyce) desconfiavam dela. A palavra limita o que nós fomos. Escrevê-la é repeti-la e a cada repetição ela perde fulgor. Limita o nosso presente enquanto constante passado. Escrever é abdicar do futuro.

4 comentários:

R. disse...

A palavra limita-nos é certo. É através dela que vemos e pensamos o mundo. E as limitações por ela impostas não se prendem apenas com a palavra escrita. É através das palavras que pensamos, que teorizamos e percepcionamos o mundo. As imagens que retemos na mente, que descrevemos para nós proprios, estão sempre limitadas pela palavra, pois é ela que define.
No entanto, é também a palavra, nomeadamente a escrita, que nos liberta. Pelo menos a alguns de nós, que quando escrevemos pensamos e teorizamos, criamos novas ideias, que sem a palavra escrita se perderiam no ar, cairiam no esquecimento, no nosso esquecimento.
Somos também libertados pelas palavras escritas dos outros, que nos permitem a evasão, que nos dão novas formas de ver o mundo, novas ideias, teorias e percepções.
É paradoxal. É através delas que nos libertamos mas são muitas vezes elas que nos prendem e limitam. Mas sei que as amas tanto quanto eu, e não há nada mais belo do que a palavra, especialmente a escrita.
Espero que tenhas um futuro recheado de palavras e que, ao contrário de te fazerem abdicar do futuro, sejam elas a constitui-lo. E, para que nunca percam fulgor, que evites repeti-las, e que cries sempre novos contextos para as reciclar, de forma a que nunca, nunca, percam o seu - magnifico - fulgor.

Amarcord disse...

É tramado. Mas agora imagina se nem as palavras te restassem.

O drama começa antes, mais do que limitados pela palavra escrita somos limitados pela incapacidade de palavrear exactamente.

Por causa de tudo aquilo que não pode não ser dito, a palavra é, acredita, o mal menor.
Sem ela até somos, mas só para nós, como às vezes não isso dá, recorremos a ela, tipo mal necessário. A partir daí passamos a ser que ficou dito: já éramos.

Que bom que é quando não são precisas palavras.

O melhor post de chocolate do mundo! disse...

Posso discordar?

A palavra tem passado, não é passado. Cada palavra que escreves é uma história e, juntas, fazem a tua e a minha. E envelhecem. Como tu ou nós. Contigo, quando guardas nela quase tudo o que és. Não escrever é abdicar do passado e da possibilidade de te reencontrares no futuro.

filipe canas disse...

Claro que podes discordar. Incentiva-se a discórdia.

Eu próprio discordo com o que escrevi aí, mas continuo preso ao que escrevi aí. Abdiquei do meu futuro, pelo menos de um futuro prazenteiro, porque agora me sinto incoerente e isso indispõe-me.

Agora que releio discordo do parágrafo anterior. É tudo tão difícil.