Deparei-me com este artigo de Dambisa Moyo no The Independent e tenho uma série de objecções a fazer em relação à tese apresentada. Moyo argumenta que Ajuda Oficial ao Desenvolvimento tem sido o principal obstáculo ao desenvolvimento de África. São três as razões apontadas pela autora: que a ODA (Official Development Assistance) incentiva a corrupção; que alimenta a dependência; e, porque burocrática, inibe os nascimento de uma classe empreendedora. Desta premissa central, Moyo conclui que a crise económica global é afinal uma boa notícia para África, porque dela vai efectivamente resultar uma redução da ODA - a Itália já cortou em cinquenta por cento a sua ajuda ao desenvolvimento. O artigo não é uma crítica destrutiva do presente arranjo da ajuda ao desenvolvimento para África; para Moyo a solução para o desenvolvimento passa por aumentar o comércio, aumentar o Investimento Directo Estrangeiro, por mais microfinanciamento e por maior acesso aos mercados internacionais de capital. Finalmente, África deverá privilegiar as suas relações com a China, o Médio Oriente e restantes países emergentes.
Existem sérios problemas com todo este raciocínio. Em primeiro lugar, parece-me importante referir que este artigo promove o livro de Moyo que sairá esta quinta-feira. A crise tem sido especialmente problemática para quem vive de livros de análise económica, sendo João Rendeiro o caso paradigmático em Portugal. Esta é única explicação para Moyo achar que o futuro de parte substancial do financiamento para o desenvolvimento africano passará pelas economias emergentes. Não digo que estas não são importantes, mas a crise também as colocou numa situação extremamente delicada, porventura mais até que aos países desenvolvidos. Parece-me também ingénuo no mínimo, que Moyo considere que toda a história de relações entre os países europeus - ex-coloniais - e África seja facilmente substituível pelao recente namoro entre África e os BRICs. Da crise resultou ainda a falta de liquidez do mercado internacional de capitais, o que faz com que os países tenham que pagar mais para se endividarem no estrangeiro. Ora, se mesmo para países desenvolvimento, o acesso ao crédito é cada vez mais complicado, que dizer do acesso ao crédito dos países africanos com economias mais frágeis? Dúvido que venham a ser muito solicitados pelo mercado de capitais - especialmente com as matérias-primas a preços baixos.
A relação do Ajuda Oficial ao Desenvolvimento com a corrupção, a dependência e com a inibição do aparecimento de uma classe de empreendedores é também duvidosa. Dúvido que a corrupção acabe com o fim da ODA. A corrupção não é um exclusivo da ajuda bilateral ou multilateral. A ajuda ao desenvolvimento levada a cabo por privados é também corruptível. O argumento que a ODA inibe a emergência de uma classe de empreendedores é complicado e o ponto não é desenvolvido por Moyo - talvez o livro seja mais elucidativo neste ponto. A crítica da dependência é efectivamente falaciosa porque, como a necessidade de Investimento Directo Estrangeiro e a necessidade de procurar crédito no mercado internacional de capitais indicam, seria substituir uma dependência por outra: da dependência do Estado passa-se a depender do mercado internacional. Este dualismo Estado-Mercado é o ponto que subjaz a toda o raciocínio de Moyo e é um dualismo que já estava datado, mesmo antes da crise reexaminar a forma como a teoria económica funciona
Sem entrar muito nas políticas de desenvolvimento que têm pautado os últimos vinte anos, parece-me que a visão de Moyo adopta parte substancial da estrutura teórica que sustentou o Consenso de Washington. Para Moyo, o motor mais promissor para o desenvolvimento de África é a integração nos mercados internacionais e Moyo tem razão. Contudo, África não pode entrar nos mercados internacionais e seguir imediatamente as regras que estes ditam, simplesmente porque não está capacitada - quer em termos humanos, quer em termos económicos e sociais, quer em termos institucionais. Veja-se a panacea que Moyo apresenta: o acesso ao mercado internacional de capitais. O acesso a este mercado é complicado para países com pouco peso na economia internacional. Na grande maioria dos casos, para garantirem o acesso os países têm que ceder em aspectos fundamentais. Tal aconteceu durante os anos 90. Sob as políticas do Consenso de Washington, os países procuraram adoptar os critérios definidos para serem considerados economias saudáveis (redução do peso do Estado na economia, défices controlados, redução da dívida externa), critérios que acabaram por determinar um forte desinvestimento em políticas sociais em áreas tão importantes como a educação e a segurança social. Para além disso, existe uma diferença substancial entre o mercado internacional de capitais, o investimento directo estrangeiro e a ODA: é que a ODA é bastante mais estável e orientada por considerações de longo-prazo. A volatilidade dos fluxos internacionais de capitais tem sido apontada como uma das causas para a falência de inúmeros esforços de desenvolvimento e mesmo até de crises financeiras graves, como a Crise Asiática de 1997.
Não há uma solução para o desenvolvimento de África. Não existem soluções fáceis nem infalíveis. Contudo, Moyo não dá razões fortes para apoiar a redução do ODA. Especialmente hoje, que os países menos desenvolvidos têm mais a perder com a crise que os desenvolvidos, parece-me uma mensagem importante que se cumpram as obrigações internacionais. Estamos todos no mesmo barco.
Existem sérios problemas com todo este raciocínio. Em primeiro lugar, parece-me importante referir que este artigo promove o livro de Moyo que sairá esta quinta-feira. A crise tem sido especialmente problemática para quem vive de livros de análise económica, sendo João Rendeiro o caso paradigmático em Portugal. Esta é única explicação para Moyo achar que o futuro de parte substancial do financiamento para o desenvolvimento africano passará pelas economias emergentes. Não digo que estas não são importantes, mas a crise também as colocou numa situação extremamente delicada, porventura mais até que aos países desenvolvidos. Parece-me também ingénuo no mínimo, que Moyo considere que toda a história de relações entre os países europeus - ex-coloniais - e África seja facilmente substituível pelao recente namoro entre África e os BRICs. Da crise resultou ainda a falta de liquidez do mercado internacional de capitais, o que faz com que os países tenham que pagar mais para se endividarem no estrangeiro. Ora, se mesmo para países desenvolvimento, o acesso ao crédito é cada vez mais complicado, que dizer do acesso ao crédito dos países africanos com economias mais frágeis? Dúvido que venham a ser muito solicitados pelo mercado de capitais - especialmente com as matérias-primas a preços baixos.
A relação do Ajuda Oficial ao Desenvolvimento com a corrupção, a dependência e com a inibição do aparecimento de uma classe de empreendedores é também duvidosa. Dúvido que a corrupção acabe com o fim da ODA. A corrupção não é um exclusivo da ajuda bilateral ou multilateral. A ajuda ao desenvolvimento levada a cabo por privados é também corruptível. O argumento que a ODA inibe a emergência de uma classe de empreendedores é complicado e o ponto não é desenvolvido por Moyo - talvez o livro seja mais elucidativo neste ponto. A crítica da dependência é efectivamente falaciosa porque, como a necessidade de Investimento Directo Estrangeiro e a necessidade de procurar crédito no mercado internacional de capitais indicam, seria substituir uma dependência por outra: da dependência do Estado passa-se a depender do mercado internacional. Este dualismo Estado-Mercado é o ponto que subjaz a toda o raciocínio de Moyo e é um dualismo que já estava datado, mesmo antes da crise reexaminar a forma como a teoria económica funciona
Sem entrar muito nas políticas de desenvolvimento que têm pautado os últimos vinte anos, parece-me que a visão de Moyo adopta parte substancial da estrutura teórica que sustentou o Consenso de Washington. Para Moyo, o motor mais promissor para o desenvolvimento de África é a integração nos mercados internacionais e Moyo tem razão. Contudo, África não pode entrar nos mercados internacionais e seguir imediatamente as regras que estes ditam, simplesmente porque não está capacitada - quer em termos humanos, quer em termos económicos e sociais, quer em termos institucionais. Veja-se a panacea que Moyo apresenta: o acesso ao mercado internacional de capitais. O acesso a este mercado é complicado para países com pouco peso na economia internacional. Na grande maioria dos casos, para garantirem o acesso os países têm que ceder em aspectos fundamentais. Tal aconteceu durante os anos 90. Sob as políticas do Consenso de Washington, os países procuraram adoptar os critérios definidos para serem considerados economias saudáveis (redução do peso do Estado na economia, défices controlados, redução da dívida externa), critérios que acabaram por determinar um forte desinvestimento em políticas sociais em áreas tão importantes como a educação e a segurança social. Para além disso, existe uma diferença substancial entre o mercado internacional de capitais, o investimento directo estrangeiro e a ODA: é que a ODA é bastante mais estável e orientada por considerações de longo-prazo. A volatilidade dos fluxos internacionais de capitais tem sido apontada como uma das causas para a falência de inúmeros esforços de desenvolvimento e mesmo até de crises financeiras graves, como a Crise Asiática de 1997.
Não há uma solução para o desenvolvimento de África. Não existem soluções fáceis nem infalíveis. Contudo, Moyo não dá razões fortes para apoiar a redução do ODA. Especialmente hoje, que os países menos desenvolvidos têm mais a perder com a crise que os desenvolvidos, parece-me uma mensagem importante que se cumpram as obrigações internacionais. Estamos todos no mesmo barco.
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