segunda-feira, agosto 20, 2007

"Longe dos olhos, longe do coração"

Os filmes enganam-nos tanto.

Corre tudo sempre tão bem nos filmes.

Os reencontros são sempre tão bonitos. Passam dias, meses, anos e o sentimento dos amantes é sempre o mesmo. Quando se vêem, correm imediatamente um para o outro. Trancam-se num abraço inseparável, beijam-se, primeiro de olhos fechados para sentirem bem o toque e o cheiro, depois com os olhos abertos para se olharem, para verem as labaredas da paixão que arde, por detrás dos olhos castanhos dela, por detrás dos olhos verdes dele.

As mãos apertam-se e finalmente dizem-se as primeiras palavras. Parece que nunca estiveram separados. Falam de tudo como se aquele fosse o primeiro beijo, mas um primeiro beijo diferente. Um primeiro beijo perfeito, onde os lábios e a língua já se encontram automaticamente, onde ambos já sabem o compasso um do outro. Onde não existem incertezas. É o reeditar de uma experiência única.

As mãos tocam-se. Deslizam uma pela outra lentamente. Os dedos entrelaçam-se. As testas continuam encostadas, os narizes tocam-se ao de leve, os olhos húmidos sorriem. Abraçam-se novamente, desta vez com mais força.

Estão felizes. É tudo como sempre. Conhecem-se. Nunca deixaram de se amar. Nenhum pensou por minutos que o outro pudesse ter mudado, que pudesse estar inseguro, que estranhasse.

Nos filmes não se estranha. Os amantes separados ou desavindos nunca se estranham num filme.

Na realidade não é nada assim, e é pena.

Na realidade estranha-se. O amor é hábito. Amar é hábito. Conhecer é conviver. Conhecer a intimidade é viver a intimidade diariamente. É partilhar espaços.

À distância não se conhece, não se partilha. Perde-se o hábito.

Os beijos de reencontro não são beijos bons. Sabemos isso depois do primeiro. Depois de estranharmos. A partir daí nenhum reencontro é tão bom como nos filmes.

As bocas não se encontram. Os abraços são estranhos, desalinhados, quase falsos. Não sabemos porque é que gostamos. Nos olhos pouco vemos que não a cor. Os sorrisos são sempre novos. As fotografias que temos, tanto mentais como reais, não passam de um frame de um determinado momento da vida. Não há edição na vida. Não há montagem. Não se colam frames.

Aquele sorriso da foto que nos achamos ser o verdadeiro não é o que encontramos quando estamos diante de alguém que não vemos há tempos.

Os reencontros são difíceis. Muito difíceis. Quanto mais o tempo passa, mais difíceis se tornam. Mais somos consumidos pelo horrível estranhar.

Mesmo que tenhamos a certeza que amamos, a distância e a ausência fazem-nos esquecer os porquês. Temos porquês, mas esses são sempre baseados no passado, e o passado não acontece outra vez.

Deixei de confiar nos amores dos filmes.

15 comentários:

sofi disse...

Regresso amanha de berlin. e n podia concordar mais contigo. Fui feliz, sim. Mas só isso.
Beijos, até já.

El-Gee disse...

ja tivemos esta conversa. ou melhor: ja tiveste este monologo em alta voz comigo enquanto ouvinte. Na altura, achei a tua teoria do reencontro dos amantes um pensamento original e muito curioso. sem nunca o ter vivido, dei-te conceptualmente razao. Por isso, gostei de ver que, passado quase um ano, mantens exactamente a mesma teoria e o mesmo raciocinio. So me desilude que ainda compares a vida real com os filmes. Quanto a isso, ha muito que digo que deixei de ver filmes-fantoche, por nos incutirem o desejo de uma realidade demasiado perfeita.

filipe canas disse...

El,

se te desiludo a ti, imagina o quanto me desiludo a mim mesmo.

A verdade é que, tirando uma suprema racionalidade - que eu nem por sombras tenho (tu estás bem mais próximo do que eu) - acho quase impossível que pelo menos um bocadinho de nós não compare ou idealize situações da vida real como as dos filmes.

Acho que só a custo se aprende que essas realidades perfeitas não existem.

Eu pelo menos, acho que vou cair ainda mais umas vezes na esparrela de viver a ilusão de um filme que não existe.

Amarcord disse...

Olá canetas,

acho que este texto está muito bem escrito, gostei sobretudo da maneira como justificas as tuas ideias, sem floreados complicados e straight to the point, mas com sensibilidade.
Exploras bem os sentidos, há alturas em que parece que estamos a viver o que dizes em slow motion, até arrepia. Depois a meio também consegues transmitir lindamente a sensação de vazio e falta de sal, e acabas com aquela que para mim é a melhor frase - o passado não acontece outra vez.

Tem piada, 2 filmes de que gostei muito são sobre reencontros reais e os desencontros que os motivaram, por isso não acabam com um they lived happily ever after, mas sim de uma forma possíve e terra-a-terra, sem esconder as avarias que cada cada um realisticamente tem. Uma boa terapia para ti.

Um texto destes merecia uma lábia menos formal mas dizer mais do que já disseste era chover no molhado.
Tens razão, os reencontros são estranhos e o day after ainda é mais tramado.. feels like eating glass. E não há take two.

Essa cena marada de racionalidade suprema é assustadora, não te metas nisso.
Ainda te perdes à procura duma ordem lógica que não existe e deixas de saber improvisar, porque tens medo de não estar à altura de um estado de coisas que afinal se vem a revelar uma utopia. Pelo caminho ainda perdes os pormenores e dás cabo dos nervos.
Há que penar para aprender Canetas,“ganhar o totobola à segunda é fácil” li eu uma vez.
Uma pancada relativamente controlada é muito bom, vai por mim.

filipe canas disse...

Amarcord,

não te preocupes que eu não vou mergulhar numa racionalidade superior.

Isso seria negar-me a mim mesmo, coisa que tenho pouco prazer em fazer.

Seria substituir o sangue por outro líquido qualquer.

Quanto à pancada, também está cá. O controlo relativo da mesma é que parece fugir dia após dia.

Já agora, gostava de saber quais são os filmes. Acho que poderão ser úteis para a nonagésima sessão da terapia em curso.

Amarcord disse...

Canetas

são o Great Expectations e o Before Sunset, mas também deves ver o Saraband.

as melhoras

El-Gee disse...

tu gostas e do ethan hawke sofia!..

(fora de brincadeiras, tb adorei esses dois filmes, pela mesma razao.)

seabra disse...

Ainda não li o post mas por sua vez já li todos os comentários.

Será que me interesso mais pelos comentários do que pelo texto em si?

Não, não pode ser, Canetas é um belo escritor.

Quanto a voces, minha cambada de fritos, parem de ser do contra (uma nova moda) e até pseudo-intelectuais e deixem-nos lá sonhar um bocadinho, que até faz bem ao ego!


Sinceramente gosto dos vossos blogs, e sobretudo gosto da maneira como escrevem. Mas começa-me a cansar esta mania de dizer mal de tudo o que é convencional e às vezes tradicional. Quase que somos uns verdadeiros tótós por ver uma comédia romantica ou uma boa série, se gostamos de mcdonalds ou se as bandas que gostamos não começam por "The".

Quanto a mim (e sujeito-me a que isto não faço sentido no meio deste texto) no meio é que está a virtude. Balance, em tudo.

(Claramente vim lançar a discussão).

Vamos lá ao texto então, surpreende-me canetas.

seabra disse...

Esqueci-me de referir duas coisas:

1- Open mind é essencial, para todos os lados. Não julgar os outros por terem gostos diferentes dos nossos, apenas percebe-los. Ou então fazer um esforço por percebe-los.


2- Não estou alcoolizado nem drogado (coisa que raramento faço).

Nêspera disse...

Acordem para a vida!

Gosto de filmes? Gosto

De comédias romanticas? Sim

Refletem a realidade? Não

Há algum problema nisso? Nenhum

Já passei uma 1.30h distraido com um filme de merda? Muitas vezes

Qual é o problema? Nenhum

Isso é motivo para perder tempo a escrever num Blog? NÃO

Canetas fritaste de vez? Há muito tempo

filipe canas disse...

Acho que vocês me estão a interpretar mal, meus caros.

O meu post é, como de resto a grande maioria deles (senão todos) pessoal.

Eu falei da maneira como os sentimentos presentes em filmes se reflectem na minha vida em particular.

Procurei Falar-vos da forma como, ao longo do tempo, idealizei certas coisas (com base nos filmes) que não corresponderam ao que se passou na realidade.

Eu não digo mal dos filmes. Nem falei em filme nenhum em específico.

Só digo que, no meu caso, ingénuamente talvez, me deixei levar pelo que vi e tive um desgosto quando a minha ideia baseada na ficção se encontrou com a realidade.

sofi disse...

el-gee, é melhor que o ethan hawke...wircklich!

Anónimo disse...

"Acho que vocês me estão a interpretar mal" - eu sou o unico que não caio nesse erro. parece.me obvio que só escreves estas tretas para sacar gajas.
Eu jamais te vou interpretar mal tio. Tens em mim alguém que te conhece profundamente e nunca te vai deixar mal!!!

um abraço

seabra disse...

Canetas,

Se o texto é pessoal jamais o podes começar com a frase "os filmes enganam-nos tanto". Estás assim a incluir-me a mim e a todos os leitores deste blog no grupo dos enganados.

Super disse...

Tive o mesmo pensamento que tu no outro dia.Decidi rever desenhos animados!Sim, esses filmes repletos de mentiras que nos ensinam a confiar nos encantos amorosos!Puf!Tretas.